-
Genética produz prova com 99,99% de acerto
- Carla Guedes
Foi a partir de uma amostra de DNA que, em 1987, um padeiro foi condenado por estuprar e matar duas adolescentes em uma pequena cidade de um condado na Inglaterra. Foi a primeira vez que uma pessoa foi condenada pela Justiça com base em evidências genéticas.
E o que mudou com a possibilidade de se extrair DNA da cena de um crime? "Agora se condena com certeza absoluta".
Perita há dois anos e mestre em Genética e Biologia Celular, ela diz que o trabalho dos peritos é indispensável para a investigação. "Sem prova material não existe ação penal. Não se consegue condenar mais ninguém com base em testemunhas. E é o perito que coleta a prova. O trabalho é gratificante por isso".
O trabalho dos peritos no Paraná em nada se parece com o que se vê nos episódios da série policial CSI. Faltam pessoal, laboratórios no interior e equipamentos. Ao ponto do único aparelho do Estado que informa se foi gasolina ou álcool que iniciou um incêndio estar quebrado há cinco anos. "Todos os laudos que dependem dele estão parados".
"Se quisermos fazer um banco de DNA, não podemos porque a Constituição não permite. Só que, quando a pessoa é suspeita, o juiz pode emitir um mandado determinando que haja a coleta do DNA".
"Temos uma situação adversa para trabalhar sem isolamento adequado. O perito vê uma pegada no local do crime, mas não sabe se é do policial, do socorrista do Siate, do IML ou dele’’.
Francine Matias de Paula - É a utilização de técnicas de genética molecular para a elucidação de crimes.
O Diário - Quais ferramentas a genética forense utiliza para chegar ao autor de um crime?
Francine Matias de Paula - O DNA. Por exemplo: encontramos um fio de cabelo no local do crime e a polícia tem suspeitas que foi uma determinada pessoa que o cometeu. O próximo passo é recolher o material genético do suspeito para comparar com o fio de cabelo encontrado. É extraído o DNA das duas amostras: do suspeito e do fio de cabelo. Depois, são feitas cópias do material. Um equipamento chamado sequenciador lê as fitas de DNA e nos dá um perfil; cada pessoa tem um perfil único. Através de comparações, temos condições de saber se o suspeito é o autor do crime ou não com 99,99% de certeza. É possível extrair DNA de fio de cabelo, pele, fluidos corporais e amostras sob as unhas.
O Diário - Quando começou a se coletar DNA de cenas de crimes?
Francine Matias de Paula - Por volta dos anos 80. Tanto que foi em 1987 a primeira condenação baseada em evidências genéticas. O padeiro Colin Pitchfork foi condenado por estuprar e matar duas estudantes na Inglaterra. Em 1994, foi inaugurado o primeiro laboratório de genética forense do Brasil, em Brasília. As técnicas moleculares já existem há mais tempo, mas a aplicação delas no âmbito criminal é mais recente.
O Diário - O que mudou na elucidação de crimes desde então?
Francine Matias de Paula - Agora se condena com certeza absoluta. O poder de discriminação do DNA é muito maior do que o de uma impressão digital porque pode haver erro na hora da interpretação dela, mas do DNA não. A impressão digital é baseada na interpretação humana e por isso tem mais chances de erro. O DNA é muito mais eficiente para identificar uma pessoa. Sem contar que ele não é obtido só de uma parte do corpo, como é a digital. Geralmente, quando não tem jeito de extrair o DNA de uma vítima cujo corpo carbonizou, é possível coletar do pai e da mãe. A gente traça o perfil dos pais e compara com o do suspeito.
O Diário - O suspeito sempre tem que fornecer o material?
Francine Matias de Paula - Não, e é um grande problema. A Constituição Federal diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Então, se quisermos fazer um banco de DNA ou de impressões digitais, não podemos porque a Constituição não permite. Só que quando a pessoa é suspeita, o juiz pode emitir um mandado determinando que haja a coleta do DNA. Mas isso acontece quando existem evidências fortes de que a pessoa está envolvida no crime. Aí ela é obrigada a doar, mas caso contrário, não. Se tiver inquérito instaurado com várias evidências e testemunhas de que realmente seja ele o autor do crime, aí se consegue amostra.
O Diário - O banco genético diminuiria o volume de crimes?
Francine Matias de Paula - Sim e seria mais fácil para prender criminosos porque funcionaria como CSI (a série policial Crime Scene Investigation que reconstrói cenas de crimes para prender assassinos).
O Diário - Quais os limitadores para o trabalho do perito?
Francine Matias de Paula - A nossa grande dificuldade no Paraná é a falta de laboratório para analisar o DNA na própria cidade, sem ter que enviar o material para Curitiba, onde funciona o único laboratório de genética forense do Estado. Só que, por outro lado, um laboratório não adiantaria para nada na situação em que estamos porque não há pessoal para trabalhar com isso e não tem verba para manter um laboratório desses no interior. Qualquer crime em que haja coleta de DNA temos que mandar a amostra para Curitiba. E é postura do delegado mandar ou não. A gente nem fica sabendo se ele manda. A gente coleta e envia para ele porque a gente não sabe se há algum suspeito. É o investigador que tem que ir atrás de um suspeito e pedir a extração de DNA.
O Diário - De que forma essa defasagem compromete as investigações?
Francine Matias de Paula - A nossa estrutura é totalmente precária. O local de trabalho, os equipamentos. A gente faz o que pode com o que tem, mas com certeza poderia melhorar muito. A falta de equipamentos compromete muito o serviço porque há itens que não têm nem em Curitiba. A exemplo do aparelho que faz análise de substâncias. No caso de um incêndio, por exemplo, o aparelho nos diria se foi usado álcool ou gasolina. Mas o equipamento está quebrado há mais de cinco anos e todos os laudos que dependem dessa análise estão parados.
O Diário - É possível chegar ao assassino de Luiz Antônio Paolicchi pelo DNA?
Francine Matias de Paula - Não sei, teria que ver o caso como um todo. Se teve alguma amostra, se ele entrou em briga com alguém. Assim, poderia ter alguma amostra embaixo da unha.
O Diário - O criminoso sempre deixa pistas?
Francine Matias de Paula - A maioria sim. Digo que a maior diferença entre nós e o CSI não são nem os equipamentos, mas as histórias que eles contam. Quando um cara está devendo para um traficante, o sujeito dá dois tiros e vai embora. É coisa muito rápida, a não ser que alguém tenha visto... Porque a única coisa que você tem é um projétil dentro do corpo e, se não houver um meio de pegar a arma do autor para confrontar, você não tem nada. O que mais ajuda delegado hoje em dia é testemunha. A tecnologia nem sempre consegue pegar um criminoso. Se ele não deixar pistas, não tem como.
O Diário - Além do DNA, o que mais é possível analisar para se chegar ao criminoso?
Francine Matias de Paula - Nós temos uma situação adversa para trabalhar, com muitos populares em volta e sem isolamento adequado. Então, às vezes o perito vê uma pegada no local do crime, mas não sabe se é do policial, do socorrista do Siate, do IML ou se é da própria perícia. É complicado para trabalhar e, se tivéssemos um pouco mais de estrutura no isolamento e ter certeza de que o tiver ali tem relação com o crime, talvez eu consiga trabalhar melhor, mas não é isso que acontece. O acidente de trânsito, por exemplo, é um dos locais mais ricos em evidências. Há marcas de frenagem e conseguimos definir exatamente onde aconteceu o choque entre os veículos, qual velocidade de cada um... Conseguimos fazer um laudo bem completo, com cálculo de velocidade e até indicar a pessoa que provocou o acidente. Em caso de incêndios, é possível determinar onde o fogo começou, se foi usado gasolina ou álcool. A partir desses detalhes, consegue-se dizer se o incêndio foi acidental ou se alguém pôs fogo ali.
O Diário - O que há de mais novo na identificação de criminosos?
Francine Matias de Paula - No Paraná, estamos bem defasados, mas o que sempre está em atualização é a genética. No Brasil, a área que está mais perto do que é feito em outros países é a genética forense.
O Diário - Como foi entrar pela primeira vez na cena de um crime?
Francine Matias de Paula - Sou perita há dois e foi diferente do que achei que seria. Imaginei que sofreria mais. Foi um caso de duplo homicídio em Londrina. Minha pressão caiu e tive que sair para pegar um ar. Depois, transcorreu normalmente. Eu vi aquela situação como um material de estudo. Você educa seu cérebro para lidar com aquilo de uma maneira mais profissional.
http://maringa.odiario.com/maringa/noticia/508322/constituicao-nao-permite-fazer-um-banco-de-dna/