PRESERVAÇÃO DO LOCAL DO CRIME
A preservação do local do crime assume papel relevante no êxito dos trabalhos da Polícia investigativa. Uma perícia realizada num local violado não tem o mesmo valor e credibilidade daquela realizada num local idôneo.
Nos dias atuais, aquela prova unicamente testemunhal não tem a mesma força que uma prova material, produzida por meio de profissionais designados para a finalidade de examinar o local do crime e a partir dele, arrecadar os objetos de evidência para destinar ao setor próprio, valendo-se da criminalística como ciência auxiliar, e nesta atividade coadjuvante, pode-se buscar esclarecimentos junto à balística forense, química, biologia, toxicologia, informática, documentoscopia, fonética forense, física, e vários outros ramos da ciência, bem sintonizado com o Processo Penal moderno, cujo desiderato é a busca incessante pela justiça.
Não se discute aqui a existência de hierarquia probatória, mas cada uma possui o seu peso, e analisando todas, num critério global, chega-se ao que se chama de verdade histórica dos fatos, nos dias hodiernos, muito difícil de ser alcançada.
Assim, um trabalho pericial bem elaborado, desde a preservação da cena do crime, com policiais bem orientados, evitando-se adentrar do local, recolher documentos das vestes da vítima, recolher projéteis, armas, e outros objetos, até a conclusão dos peritos garante um processo muito mais ético e justo, pois dará ao Ministério Público a necessária convicção e justa causa para propositura da ação penal, e muito embora não esteja o Juiz adstrito às conclusões dos laudos, diante da ausência de hierarquia probatória, acredito ser difícil julgar alguma causa divorciada das conclusões das provas técnicas, não obstante deparar com certas decisões até mesmo contrárias às provas produzidas por meio de exame de DNA, como costuma acontecer nas ações de paternidade ligadas às causas cíveis.
A perita criminal, Claudine de Campos Baracat, Coordenadora Geral de Criminalística assegura com autoridade que “ a preservação dos vestígios deixados pelo fato, em tese delituoso, exige a conscientização dos profissionais da segurança pública e de toda a sociedade de que a alteração no estado das coisas sem a devida autorização legal do responsável pela coordenação dos trabalhos no local, pode prejudicar a investigação policial e, conseqüentemente, a realização da justiça, visto que os peritos criminais analisam e interpretam os indícios materiais na forma como foram encontrados no local da ocorrência”.
Então pode-se afirmar sem nenhuma dúvida que a criminalística, importante ciência para a Justiça Penal, não exerce função meramente auxiliar, mas trata-se de valioso instrumento utilizado na promoção de justiça, e sua eficácia passa necessariamente por uma eficiente preservação do local do crime.
(Lélio Braga Calhau -Criminólogo)
Juízes são pressionados pelos anseios sociais
O professor doutor Eugenio Raúl Zaffaroni, ministro da Suprema Corte Argentina, está em Porto Alegre, a convite da Faculdade de Direito da UFRGS, para ministrar uma aula na Pós-graduação em Direito Penal e Política Criminal desta universidade, bem como palestrar no salão nobre da faculdade sobre o polêmico tema da Criminologia Negacionista. A coordenação do evento é do desembargador aposentado e professor Odone Sanguiné.
Zaffaroni é hoje inegavelmente um ícone do Direito Penal Liberal em nível mundial, sendo estudado com profundidade em diversos países europeus. No Brasil, sua influência também é incontroversa, tendo o professor escrito diversas obras sobre o direito penal brasileiro com juristas nacionais de renome, como José Henrique Pierangeli e Nilo Batista, além de inúmeros artigos acadêmicos, sobretudo em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Dentre os temas debatidos, destacaram-se os processos de surgimento de diferentes inimigos sociais ao longo da história, o que culminou num chamado Direito Penal do Inimigo. Na ótica de Zaffaroni, hoje verifica-se um retrocesso aos debates inaugurados pela escola de Kiel no início da 2ª Guerra Mundial, que encarava o delito como uma violação do dever social, sendo, por isso, todos os delitos tidos por omissivos.
Marcou esse encontro também uma postura firme pela inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, meras violações da norma.
Avaliando o movimento de recodificação verificado na legislação penal da América Latina – inclusive no Brasil, que tem um projeto em avançado estágio de novo CPP e já instalou comissão para elaboração de novo CP – Zaffaroni destacou a grande influência da mídia sobre os legisladores e os reflexos verificados nos deficientes projetos apresentados. Para ele, a necessidade de mudança legal é fruto de uma Política Criminal imposta pelos EUA, que enfrenta a maior crise econômica de sua história, o que remete ao caos de seus “sistema” carcerário, reputado o pior do mundo, com aproximadamente 2,5 milhões de presos e 5 milhões de apenados cumprindo algum tipo de medida alternativa.
Abordou, ainda, a repercussão disso no Poder Judiciário, afirmando que os juízes de hoje sentem-se pressionados a julgar conforme os anseios sociais. Para Zaffaroni, em última análise, não é o momento histórico adequado para reformas, eis que o entrechoque de diferentes correntes punitivistas ameaça corromper ainda mais um sistema já em ruínas. “Diante dessas circunstâncias, melhor seria simplesmente deixar tudo como está.”
É inegável uma postura pessimista, que, aliás, verificamos disseminada pelo meio acadêmico em geral. As perspectivas deveras não são nada boas, mas o que nos pode consolar é que o momento presente é de transição, transformação de ideias e profunda alteração de valores. Não se sabe aonde chegaremos, porém é possível prevenir o regresso. A mácula do nazi-fascismo ainda é muito presente na humanidade, mas, um dia, sem dúvida, será superada.
Das discussões travadas, emerge, enfim, a indagação (que fica lançada aos membros da Comissão encarregada da elaboração do novo Código Penal): será possível congregar os interesses de grupos tão distintos para se atingir um objetivo legiferante unificador? Hoje, tive a notícia de que, para Eugenio Raúl Zaffaroni, talvez um dos poucos realmente autorizados a emitir uma opinião fundamentada e isenta, a resposta é, de momento, negativa.
No dia em que a UFRGS foi avaliada pelo MEC como a melhor instituição de ensino superior do Rio Grande do Sul e 3ª melhor do Brasil, a presença desta ilustre personalidade, disputada à exaustão, em ano de eleições na Argentina e em meio aos escândalos concernentes a seus imóveis em Buenos Aires, este foi mais um evento marcante na agenda do ano de 2011 para as Ciências Criminais no estado.
Carlo Velho Masi é advogado criminalista, membro do Escritório Weinmann de Advocacia, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS, pós-graduando em Direito Penal e Política Criminal pela UFRGS, sócio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE).
Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2011