CURSO BÁSICO DE CRIMINOLOGIA
CURSO BÁSICO DE CRIMINOLOGIA
Raimundo Palmeira
Aula 2
2. Cientificidade da Criminologia.
A Criminologia não é um ramo do conhecimento científico simpático ao Poder, haja vista que o estudo sobre as raízes e motivação do delito poderá ( e via de regra o fará) descortinar fatores criminógenos gerados pelo mau exercício do poder. Orlando Soares adverte para que:
“Os mestres burgueses conservadores são avessos, em geral, à discussão acerca das causas da criminalidade, pois, é claro, o debate em torno do assunto põe a nu a natureza rapace e velhaca do sistema capitalista, que se baseia fundamentalmente na exploração que as classes economicamente fortes e politicamente dominantes exercem sobre as classes assalariadas. Alguns desses mestres e teóricos a serviço dos capitalistas, quando nào combatem abertamente as discussões criminológicas, sobre as causas da criminalidade, procuram solapar e ridicularizar os esforços científicos a respeito da matéria” (SOARES, Orlando. Curso de Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 2003. Pp. 63/64.)
Diz-se que uma ciência, para assim ser considerada, necessita possuir objeto, método e uma finalidade. Podemos observar que a Criminologia os possui.
A) Objeto.
Os contestadores da cientificidade da Criminologia afirmavam que ela padeceria de suposta carência de objeto, pois o crime seria objeto do Direito penal, como ciência. Entretanto é de se atentar para que apesar da evidente inter-relação entre a ciência em estudo e o Direito Penal – pois este é quem define o que vem a ser o crime ( conceito relativo, pois variável no tempo e no espaço, enquanto conduta particularizada)- ambos os ramos do conhecimento científico dedicam a este mesmo objeto seus estudos sob enfoques diferentes. Enquanto o Direito Penal, ciência normativa que o é, volta-se ao estudo deste objeto, enquanto ente jurídico, como conduta indesejada, vedando-lhe a prática sob a ameaça da imposição de uma pena, a Criminologia busca dissecar o delito, enquanto fenômeno humano e social, investigando-lhe as causas e influências, sejam, endógenas (internas ao agente ativo), ou exógenas ( externas – sociais ou mesológicas). Observa-se assim, possuir, objeto próprio. Reforça ainda este ponto de vista, a observação e análise conjunturais e particularizadas que a Criminologia procede sobre a denominada tríade criminológica: criminoso-crime-vítima.
A Criminologia tem, assim, objeto comum com o Direito Penal, e é com este, intimamente relacionada. O crime é o objeto de estudo de ambas as ciências, porém sob enfoques diversos. Enquanto o Direito Penal, por ser normativo, cuida do delito, enquanto fenômeno jurídico, a Criminologia o estuda, sob o prisma fenomenológico humano e social. O relacionamento íntimo, no sentido de necessitar, a Criminologia, dos conceitos penais, está em que os conceitos de crime são relativos de país a país, de grupamento social a grupamento social, e é variável no tempo, cabendo ao Direito definir os tipos delituosos concretos.
A autonomia da Criminologia como ciência reside no fato de que apesar de outras ciências , como a sociologia, a antropologia, a medicina legal, a psicologia, terem também o ato humano delituoso por objeto, mas o têm acidentalmente, enquanto a criminologia o tem como escopo principal de suas atividades investigatórias científicas.
E Roque de Brito Alves é de extrema felicidade ao mostrar essa abordagem ao crime, ao criminoso, à criminalidade e à vítima, de peculiaridade extrema que torna a Criminologia verdadeiramente autônoma quanto a seu objetivo de estudo:
“Não ficando restrita a Criminologia unicamente ao estudo das condutas típicas, puníveis por lei, legalmente definidas como criminosas desde que tem como seu objeto também as condutas desviadas culturalmente, anti-sociais, algumas destas podem ser consideradas como verdadeiros ‘estados criminógenos’ que embora não tipificados como crime são comportamentos ou modos de ser em um estilo de vida que podem conduzir o indivíduo a delinqüir como, p. ex., na vagabundagem, na prostituição, vício da droga, etc. O que faz com que, obviamente, o estudo criminológico possa adquirir maior horizonte ou extensão ao não limitar-se ou partir exclusivamente da noção jurídica do delito, compreendendo outras condutas de grande importância tanto para uma sua apreciação individual, pessoal, como social”.( ALVES, Roque de Brito. Op. Cit. P. 59).
B) Método.
Elemento caracterizador de todas as ciências, a utilização de métodos científicos,, em realidade, não é exclusivo da ciência. Podemos concluir ser a metodologia , elemento essencial à cientificidade de determinado ramo da pesquisa, mesmo que não lhe seja exclusivo.
A metodologia é um conjunto de meios já experimentados na área de conhecimento humano, que facilita, organiza e universaliza o andamento das pesquisas e obtenção dos resultados.
Lakatos e Marconi conceituam o método, “in verbis”:
“O método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”.( LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 4a ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2001. P.83).
Vitorino Prata Castelo Branco assim conceitua método, e posteriormente, expõe atualização do método em Criminologia:
“Em geral , o método é o meio empregado, pelo qual o pensamento humano procura encontrar a explicação de um fato, seja referente à natureza, ou ao homem, ou à sociedade.
Só o método científico, isto é, sistematizado, por observações e experiências, comparadas e repetidas, pode alcançar a realidade procurada pelos pesquisadores.
O campo das pesquisas será, na Criminologia, o fenômeno do crime como ação humana, abrangendo as forças biológicas, sociológicas e mesológicas que o induziram ao comportamento reprovável etc”.( CASTELO BRANCO, Vitorino Prata. Apud FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 2a ed. r ev., at. E amp. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,2002.P.28).
A Criminologia utiliza o método experimental, naturalístico e indutivo no concernente ao estudo do delinqüente, recorrendo a métodos estatísticos, históricos e sociológicos no que tange à busca de conhecimento das causas da criminalidade.
O método indutivo passa pela fase da observação dos fenômenos, e sua respectiva análise com o intuito de constatar os fatores que ensejaram sua manifestação; posteriormente, busca-se identificar a relação entre eles, para que se possa, em conclusão, generalizar tal relação entre fenômenos e fatos semelhantes, alguns até ainda inobservados ou mesmo inobserváveis.
Lakatos e Marconi, asseveram, com extrema clarividência que:
“Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos indutivos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se basearam”.( LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 4a ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2001. P.86).
Assim, no método indutivo, inicia-se do conhecimento de partes contidas para concluir por uma concepção do todo, enquanto no método dedutivo, conhece-se a regra geral, e do todo, busca-se concluir sobre as partes contidas.
O criminologista alemão Seelig apresenta uma plêiade de meios de pesquisa criminológica: a) a percepção direta do fato criminoso; b)observações sobre o local do delito; c) exames e perícias sobre instrumentos de crime e seus produtos; d) exame biocriminológico do criminoso( exame direto do delinqüente); e) exame paralelo dos não-delinquentes, na medida do possível realizado sobre grupos humanos semelhantes aos grupos de criminosos para o estabelecimento de comparações; f) pesquisas genealógicas sobre as famílias dos delinquentes, buscando-se a criminalidade de ascendentes, de colaterais e de descendentes, suas anomalias psíquicas ou particularidades sociais ou caracterológicas; g) exame dos casos criminais com base nos “dossiers” criminais existentes nas instituições policiais e judiciais; h) análise dos noticiários da imprensa; i) comentários de especialistas em direito penal ou pessoas com experiência criminológica;j)as auto-biografias dos delinqüentes, seus diários, memórias, cartas, etc;k) estuda da prova indireta-circunstancial, e especialmente a análise dos erros judiciários; l) os testes psicológicos – de inteligência, de afetividade, de projeção da personalidade, etc.- como método experimental muito utilizado na psicologia aplicada, o que poderia ser aplicado até nas testemunhas do fato delituoso; além de pesquisas estatísticas, na área da penologia.. (SEELIG, E. Apud ALVES, Roque de Brito. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 1.986. P.73.
C) Finalidade.
Como todo ramo do conhecimento científico, a Criminologia possui finalidade própria, qual seja, a debelação ou redução da criminalidade e a ressocialização do delinqüente. E busca atingir seus objetivos mediante o conhecimento das causas do delito, suas conseqüências, bem como das condições e eficácia da pena, fornecendo elementos hábeis ao Direito Penal , através da política Criminal. Observa-se que é de se acrescer a essa finalidade, a habilitação, mediante cabedal de conhecimento científico sobre o crime, seu autor e sua vítima, aos operadores do Direito Criminal.
Existem críticas contundentes à cientificidade da Criminologia, por se asseverar que, haja vista a relatividade conceitual de crime.
- Características da Criminologia.
Tendo objeto de estudo extremamente complexo, qual seja, o crime como um fato biopsicosocial, a Criminologia não se limita a um só domínio ( área, terreno) científico. O delito é estudado pela ciência criminológica, em sua realidade fenomenológica, ou seja como um fenômeno real, em sua realidade fática. Como fato humano que o é, a conduta tida como antisocial, é determinada por uma plêiade imensa de fatores , sejam eles internos ( endógenos) ou externos ao ser humano ( exógenos), sejam eles, emoções, fatores atávicos geneticamente determinados, desvios de conduta, neuroses, desvios edocrinológicos, psicológicos, psiquiátricos, sócio-econômicos, climáticos, etc., que interagem, culminando com a eclosão do ato objeto de estudo. Cada um desses fatores motivadores do ato estudado, observado em sua pureza e independência fenomenológica é afeito ao domínio de determinada ciência, daí porque se asseverar ser uma das características da Criminologia, seu aspecto interdisciplinar, ou interdisciplinar, haja vista necessitar recorrer aos conceitos e conclusões de estudo ( assim como recorrera ao instrumental metodológico) de outras ci6encias, como a biologia, medicina, direito, sociologia, psicologia, antropologia, etc.
Mas aliás, essa interdisciplinaridade é uma das características marcantes do panorama científico da atualidade. Manzanera é de clarividência extrema ao delinear este quadro de inter-relacionamento das ciências, na atualidade:
“Actualmente la investigación científica, para considerarse como tal, necesita ser interdisciplinaria, o al menos multidisciplinaria. La Medicina es poco eficaz si no se auxilia de la Psicología y de la Sociología; la Sociología no funciona adecuadamente si no se apoya en la Psicología y en el Derecho; el Derecho es obsoleto si no respeta la relidad social y psicológica; es decir, actualmente para haver cialquier trabajo serio, principalmente en Ciencias Sociales, se tiene que trabajar interdisciplinariamente.(…) El Criminólogo es un científico que, como la mayoria de los hombres de ciencia modernos, debe trabajar en forma interdisciplinar. Pero no debe confundirse la interdisciplina con la simple multidisciplia, ya que, mientras la primera significa la intima relación, las entrechas coexiones, la interdependencia, la segunda es tan sólo la adición, el acopio de diversas disciplinas. Multidisciplinar designa solamente la participación de muchas disciplinas, mientras que la sílaba inter expressa, entre otras cosas, una cierta coordenación o incluso integración. Una investigación interdisciplinar significaría un grado de integración superior al de un multidisciplinar”. (MANZANERA, Luiz Rodriguez. Apud ALVES, Roque de Brito. Criminologia. Rio de Janeiro: Forense, 1.986. Pp. 62/63).
No caso da Criminologia, nota-se essa integração investigatória com outras áreas científicas acerca do mesmo objeto, o crime, recorrendo-se a conceitos, instrumental metodológico, princípios de outras ciências, do mesmo modo que elas necessitam e recorrem a princípios e conceitos criminológicos. É por esse inter-relacionamento científico que se diz ser, a Criminologia, uma ciência interdisciplinar.
B) É uma ciência causal-explicativa.
Ao contrário do Direito, que é uma ciência do ideal, a Criminologia, em se tratando de uma ciência do “ser”, analisa o delito como fato humano e social normal, buscando-lhe as causas e estudando-as, bem como procurando obter o conhecimento e respectiva explicação acerca da personalidade do criminoso. Tem feições etiológicas, visto que ao estudar a conduta seu objeto, busca seu porquê.
C) Considera-se uma ciência auxiliar do Direito Penal
Ao estudar as motivações do crime e da criminalidade, bem como a personalidade do delinqüente, e ainda buscando o domínio sobre as condições de cumprimento de pena e ressocialização do egresso, propicia ao Direito Penal o conhecimento naturalístico sobre seu objeto de estudo, viabilizando a sólida normatização do ideal buscado pelas normas criminais.
D) É ciência de característica natural e humana, bem como social.
Ao contrário do Direito que pode ser considerado como uma ciência ideal ( objetiva ideais), estuda o delito em sua realidade fenomênica, empiricamente, conforme efetivamente o é.
E) Possui conteúdo múltiplo (tríplice conteúdo).
- Fenomenologia criminal (descrição do crime).
- Etiologia criminal ( estudo das causas).
- Dinâmica criminal ( “processus”, manifestação ou exteriorização do delito).
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