Exercício da Perícia no Brasil chega a ser ato de coragem
Veloso concedeu entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste. Falou de como os peritos brasileiros são formados e as dificuldades que enfrentam em seu mister de produzir provas para o esclarecimento de crimes e alicerçar inquéritos FOTO: JOSÉ LEOMAR
Qual a importância do trabalho da Perícia Forense hoje no País, diante do seu alto índice de criminalidade?
Quanto mais violento for país ou uma cidade, maior é a necessidade de se ter uma Polícia bem organizada, com boa estrutura tecnológica para municiar bem o julgador, e este julgador possa fazer justiça em nome da sociedade. Daí, a grande importância que, hoje, a Perícia tem no Brasil para o esclarecimento de crimes e o julgamento de seus acusados perante o Poder Judiciário.
Como o Sr. observa a Perícia Forense brasileira em relação a países mais desenvolvidos neste campo de investigação criminal, como Estados Unidos e países europeus?
O Brasil, como sétima ou oitava potência mundial, era para estar muito melhor nesta área. Em alguns setores neste campo de nossa atividade profissional estamos relativamente bem. Aqui acolá há algumas ilhas de excelência. Podemos dizer que a Perícia Criminal em São Paulo, por exemplo, tem recursos que possibilitam a elucidação de difíceis casos. Mas, na maioria dos Estados, e principalmente naqueles mais pobres (e desde já é preciso dizer que temos que tirar o Estado do Ceará dessa lista), em geral, poderíamos ter um nível melhor na Perícia Forense. Agora, para isso é preciso criar não apenas condições estruturais, mas investir em recursos humanos. Valorizar os profissionais e, principalmente, capacitá-los.
Como está a formação do perito criminal brasileiro?
Lamentavelmente, ser perito no Brasil era, e ainda é, uma atividade autodidata. Digo pelo meu exemplo. Quando saí de uma faculdade de Medicina, tive que ir fazer um estágio no Instituto Médico Legal e, então, fui acompanhar a prática pericial daquela instituição. Não temos no Brasil uma pós-graduação. Apenas a USP de São Paulo e a USP de Ribeirão Preto têm hoje uma pós-graduação ´sensu strictu´, mas o restante, são (peritos) abnegados, que vão participar de congressos nacionais e internacionais, a maioria por conta própria. E estes fazem isso com muito orgulho até. Mas a verdade é que não há investimentos naquilo que eu chamaria de estudo continuado em Perícia. Não temos, por exemplo, um curso superior de Perícia. Há 30 anos falei isso a um grupo da Polícia Federal. Não temos nas faculdades um bacharelado em Ciências Forenses. Se existisse, seria o ideal, porque nós formaríamos pessoas de diferentes áreas, pois a Perícia cabe em todas as áreas, médicos, dentistas, farmacêuticos, químicos, bioquímicos, engenheiros civis, engenheiros mecânicos, contabilistas. Então, iríamos formar um tipo de profissional de ensino superior que iria se especializar, cada um em sua área de sua atividade, em Perícia Forense.
E como se forma então um perito neste País?
Infelizmente, o profissional começa a ter esta experiência somente no curso de formação depois que é aprovado em concurso. E depois, ele cai em campo, sai para trabalhar, e seja o que Deus quiser.
Um dos grandes viés do crime no Brasil de hoje é o tráfico de drogas, que está arrastando nossa juventude e os adolescentes para o tráfico e para a dependência. Como a Perícia pode ajudar na apuração deste tipo de crime?
Olha, a Perícia pode fazer muita coisa, desde a identificação do tipo de tóxico utilizado ou transportado, através de trabalho de laboratório, até uma grande contribuição na investigação sobre os indivíduos que a consumiram. Mas, me parece que isso ainda é pouco. Investigar drogas não é apenas você encher as salas dos institutos de perícia de maquinários sofisticados, mas sim, criar uma política de real de combate às drogas, que nós, lamentavelmente, não temos. Existe apenas uma legislação que para uns é tolerante e para outros ainda é arbitrária. Estamos perdidos porque não temos trabalhos de prevenção. Temos muitos diagnósticos, mas poucos tratamentos. Vamos morrer de um mal bem diagnosticado.
Existem no Brasil núcleos de Perícia Forense preparados para apurar os chamados "crimes virtuais" (aqueles praticados via internet)?
Isso é, digamos, uma coisa nova não apenas para o Brasil, mas para o Mundo inteiro. Não temos, atualmente, uma lei sequer específica sobre isto, mas agora, com as mudanças propostas na reforma do Código Penal já haverá algo mais especificado. O que temos de mais avançado neste campo vem sendo feito pela Polícia Federal, em Brasília, através do seu Centro de Pesquisa e de seus laboratórios, e também o Estado de São Paulo através do seu Instituto de Criminalística. Há também estudiosos, como o doutor Ricardo Molina (professor de fonética forense da Universidade de Campinas/Unicamp), que são autodidatas, que sozinhos têm feito muito neste campo no Brasil. Acredito, que com o passar do tempo, com a ajuda de outras ciências e outras tecnologias, teremos grupos e departamentos dentro das instituições de Perícia Forense que vão se dedicar a esta atividade.
Qual a sua expectativa para este evento mundial de Perícia que ocorrerá em Fortaleza?
Certamente, será o maior congresso, o maior acontecimento na área pericial forense no Brasil em todos os tempos. Não apenas pelo número de inscritos que a gente está esperando, em torno de 1.200 a 1.500 participantes, mas também pela qualidade das pessoas (conferencistas e palestrantes) que virão a Fortaleza. Virão especialistas e participantes da Índia, da Espanha, Portugal, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Colômbia e de países da África Ocidental.
Quais serão os principais atrativos deste megaevento?
Serão quatro dias em que iremos trabalhar intensamente. Nós teremos, além de oito congressos nacionais, o Primeiro Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Perícia Médica (entidade fundida pela Perícia Forense e a Medicina Legal), Vigésimo de Perícia Médica, o Segundo Congresso de Ciências Forenses em Língua Portuguesa, congregando Portugal, Brasil e os países da África; teremos ainda o Sexto Congresso de Direito Médico, o Primeiro Congresso Brasileiro de Toxicologia Forense, o Primeiro Congresso Brasileiro de Termografia e Termologia.
Do que este congresso vai tratar?
Esta é a primeira vez que teremos no País a conjunção da imagem radiográfica na pesquisa do calor. Teremos professores dos Estados Unidos e da Inglaterra que virão especificamente para este congresso. E mais ainda, iremos sediar o Primeiro Congresso da Academia Internacional de Danos Corporais. Quer dizer, o mundo da Perícia Forense estará aqui em Fortaleza, de 18 a 21 de setembro.
A Justiça brasileira tem reconhecido o papel da Perícia Forense?
Tem sim. Além de ter este reconhecimento, muitas vezes transformando o laudo pericial no prefácio de uma sentença, ela sabe o quanto nós (peritos) sofremos e o quanto o nosso trabalho é difícil, porque exercer a Perícia no Brasil, em determinadas regiões, é, na verdade, um ato de coragem e de abnegação, pois temos as condições mínimas de trabalho, muito embora haja no País alguns focos de excelência, como São Paulo e o Ceará hoje. A Bahia já foi e, hoje, lamentavelmente, não tem o mesmo nível de antes. Mas o juiz também tem as suas dificuldades. As vezes, fico pensando no sofrimento e na solidão do magistrado na sua análise processual, atrás de provas para que possa proferir a sentença. O juiz não pode dar sentença com empate, a não ser o Supremo Tribunal Federal, que é o único tribunal do mundo onde pode dar empate.
E a importância da prova material dentro do processo?
Quanto mais elementos, provas e mais substância tem o laudo pericial, mais você encosta na parede os criminosos e mais condições você dá ao juiz de julgar bem.
Também o Ministério Público tem reconhecido a relevância dos estudos periciais?
O carro-chefe da ação do Ministério Público é a prova. Quem mais sofre é o promotor, pois ele tem quem acusar, pois esta é a sua função. Mas, muitas vezes, ele pede a absolvição do réu pela falta de prova. Daí ser importante a elaboração de laudos robustos, com provas científicas, laudos bem elaborados. Evento como este em Fortaleza engrandece a Perícia.
Genival Veloso de Françaperito criminal, legista e professor de medicina e direito
FIQUE POR DENTRO
Especialista será homenageado em congressos
Genival Veloso de França é considerado, atualmente, uma das maiores autoridades em perícia forense no País. Formado em Medicina e Direito, foi professor de Medicina Legal nos cursos de Medicina e Direito da Universidade Federal da Paraíba, Estado onde nasceu e reside até hoje. Foi professor convidado do Curso de Maestria a distância em Medicina Legal da Universidade de Valência, Espanha. Também foi professor convidado do Curso Superior de Medicina Legal da Universidade de Coimbra, Portugal. É ex-membro do Conselho Superior de Ensino e Pesquisa da UFPB e presidente de honra da Sociedade Brasileira de Direito Médico. Ex-chefe do Departamento de Medicina Legal e Anatomia e Fisiologia Patológica da UFPB, além de autor de diversos livros sobre Medicina Legal.
Em setembro, o renomado estudioso será homenageado, emprestando seu nome ao evento intitulado ´Congressos Veloso de França´, que acontece em Fortaleza entre os dias 18 e 21 vindouros. Serão dez congressos que ocorrerão de forma simultânea, trazendo à Capital cearense peritos criminalistas, médicos legistas e outros profissionais desta área do Brasil e do exterior.
Fernando RibeiroEditor de Polícia
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