| A CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA - SUA DOUTRINA Trabalho apresentado no
XVII Congresso Nacional de Criminalística
pelo Perito Celito Cordioli.
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RESUMO
As Instituições de Polícias dos paises ocidentais trazem um ramo de Polícia Científica, também chamada de Polícia Técnica, cuja atividade é denominada de Criminalística. Nesses paises esse ramo se identifica com os valores abrangidos pela Instituição Polícia, porque o Perito atua em prol da sua Instituição de Polícia. No Brasil a Criminalística, que deveria ser um simples ramo da Polícia Judiciária, como ocorreu em outros paises, adquiriu posição de Instituição Social Independente e Soberana, assegurada pelo Direito Processual Penal.
No Brasil, cabe a Autoridade Policial requisitar a realização do Exame de Corpo de Delito e outros exames que julgar necessários ao Diretor do Órgão Coordenador das Perícias Criminais e não diretamente ao perito, deixando clara a inexistência de subordinação hierárquica do perito à autoridade requisitante.
Assim, a Instituição do Corpo de Delito é exterior ao Poder de Polícia não cabendo a Polícia Judiciária a atribuição de proceder ao Exame de Corpo de Delito, cabendo a esta, tão somente, o direito de requisitar e alguém, fora da Instituição Polícia Judiciária, fazê-lo.
Esse fenômeno que ocorreu no Brasil interferiu e influenciou sobremaneira na nossa Instituição de Criminalística, diferenciando-a da Criminalística praticada nos demais paises ocidentais e essa posição de Instituição Social Independente e Soberana foi garantida na Lei Processual Penal de l941, sem que muitos tenham se dado conta dessa realidade.
INTRODUÇÃO
O tema desta palestra foi apresentado pela primeira vez durante o IX Congresso Nacional de Criminalística, na cidade de São Paulo, em 1987, quando foi lançado o livro “Doutrina da Criminalística Brasileira” de autoria do Perito Criminal de São Paulo, Benedito Paulo da Cunha. A apresentação deste tema, naquela oportunidade, tinha como objetivo abrir à discussão dos operadores da Criminalística, da Polícia Judiciária, do Ministério Público, da Justiça e demais carreiras jurídicas os princípios que norteiam a Criminalística Brasileira e que a diferenciam da praticada nos demais paises. Com essa palestra queremos retomar a discussão deste tema que gostaríamos de ver desenvolvido para o entendimento da Criminalística Brasileira.
Naquela oportunidade o trabalho apresentado foi de suma importância, pois além de propor a discussão da Doutrina da Criminalística Brasileira no seu aspecto do Direito Processual Criminal, levantou outros aspectos abrangentes da fenomenologia social do Instituto da Criminalística Brasileira. O Brasil atravessava, naquela época, grandes mudanças. Estava em pleno processo a redemocratização com a discussão de uma nova Constituição para o Brasil. Também a Criminalística reunida no IX Congresso Nacional de Criminalística lançou as bases doutrinárias da INSTITUIÇÃO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA.
O tema é bastante extenso, certamente uma palestra não é suficiente para discuti-lo com mais profundidade. De forma sintetizada serão apresentados os seguintes tópicos:
- A Instituição da Criminalística Brasileira é exterior a Instituição Polícia Judiciária;
- Abrangência e a Consolidação do Instituto da Criminalística;
- Fenomenologia Social do Instituto da Criminalística Brasileira;
- Consolidação da Instituição da Criminalística Brasileira no Código de Processo Penal;
- Instituto da Imparcialidade da Criminalística Brasileira;
- Origem dos Peritos Oficiais Criminalísticos Brasileiros;
- Princípios da Estrutura da Criminalística Brasileira;
- Laudo Pericial Criminalístico: o Instrumento do Perito Oficial;
- Postulados e Princípios da Criminalística Brasileira.
A INSTITUIÇÃO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA É EXTERIOR A INSTITUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA
Benedito Paulo da Cunha no seu livro “Doutrina da Criminalística Brasileira” demonstra ser a Instituição da Criminalística Brasileira EXTERIOR ao Poder de Polícia. Inicia sua demonstração colocando: “É fundamental observarmos o seguinte: Cabe à Autoridade Policial requisitar a realização dos Exames de Corpo de Delito: a Instituição do Corpo de Delito é EXTERIOR ao Poder de Polícia. A Autoridade Policial requisita que alguém proceda tal exame; se essa Instituição lhe e exterior, não lhe cabe subordinação. A Autoridade Policial seria responsável pelos resultados dos exames de Corpo de Delito, se quem o fizesse pudesse ser ou fosse um seu subordinado. Daí não caber à Polícia Judiciária a atribuição de proceder ou fazer os exames de Corpo de Delito, mas apenas requisitar que alguém os faça. Essa distinção foi um fenômeno que ocorreu no Brasil, o qual interferiu e influenciou sobremaneira, na Instituição da Criminalística Brasileira, diferenciando-a da dos outros povos”.
A Instituição da Criminalística Brasileira é exterior à Polícia Judiciária. A esta cabe tão somente a requisição dos exames, sem qualquer interferência nos resultados. O Laudo Pericial não necessariamente servirá de prova indiciária, mas é o principal elemento de prova a ser incorporado no Inquérito Policial podendo servir tanto para a acusação quanto para a defesa. Este será a única peça que não será refeita no Judiciário onde passará a ser a peça de Instrução Criminal que materializa o Instituto do Corpo de Delito.
No decurso do presente trabalho será buscada a comprovação desta afirmação.
ABRANGÊNCIA E A CONSOLIDAÇÃO DO INSTITUTO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA
O termo Criminalística, conforme hoje é entendido, foi utilizado pela primeira vez por HANS GROSS em seu livro “Manual do Juiz de Instrução sobre o Sistema Criminalístico”, sendo este trabalho considerado o primeiro tratado de conjunto deste novo ramo do conhecimento.
O trabalho de HANS GROSS foi traduzido para o espanhol, dando origem ao laboratório de Polícia Científica naquele pais. Magiore, em seu “Derecho Penal”, faz referência ao termo Polícia Científica, com o mesmo sentido de Criminalística. Aragon faz referência a Criminalística como sendo uma ciência a ser estudada por toda a classe jurídica criminal.
A obra de Hans Gross foi traduzida para o francês em 1901. Locard, em seu “Traité de Criminalistique” considera a Polícia Científica apenas como um aspecto da Criminalística. Hans Gross, publicou novo livro sobre o tema intitulado: "Enciclopédia de Criminalística". Este livro, após o término da II Guerra Mundial, foi reeditado e atualizado pelo professor Ernest Seelig, sob o título "Handbuch Der Kriminalistik" (Manual de Criminalística).
O termo Criminalística passou a ser aceito pacificamente, mas na sua definição e abrangência são encontrados alguns conflitos, principalmente com relação à Medicina Legal. Alguns mestres desta especialidade da Criminalística querem fazer crer que é a Criminalística que faz parte da Medicina Legal e não o contrário.
Pela definição dada por Hans Gross e demais mestres que o seguiram, fica evidente que o termo Criminalística passou a expressar todas as atividades, métodos e técnicas científicas aplicadas com a finalidade de encontrar, recolher e analisar os vestígios sensíveis deixados pela ação delituosa, na busca da prova da prática do delito e de sua autoria, estando aí incluída a Medicina Legal, no que tange a parte criminal, sendo esta responsável pelos exames dos vestígios da ação delituosa deixados na pessoa, no corpo humano, quer ele esteja vivo ou morto e, neste caso, não importando há quanto tempo.
Esta discussão não é importante para o que nos propomos a apresentar para os senhores, pois foge do objetivo do nosso tema, mas é importante que fique claro o que entendemos ser a Instituição da Criminalística Brasileira e o que é abrangido por ela.
Outro aspecto importante a ser observado nesta introdução é de que a Criminalística, inicialmente, foi transmitida na ótica jurídico-criminal, sem se preocupar em acrescentar algo à metodologia de perícia criminalística, continuando esta a ser feita no modelo clássico de se fazer perícia.
No modelo clássico o perito atua livremente dentro de sua especialidade técnica, guiado pelo seu bom senso e pela sua consciência. O perito apresenta seu laudo conforme seu estilo, e isso lhe é assegurado pelo Direito, que lhe concede soberania e liberdade de expressão no seu trabalho pericial.
Hoje, no Brasil, constatamos que existe uma grande diferença entre o modelo clássico de fazer perícia e aquele preconizado pela Instituição da Criminalística Brasileira. Pelo modelo da Instituição da Criminalística Brasileira, o perito oficial goza igualmente de todas as prerrogativas dadas pelo Direito, contudo, ele não goza de livre-arbítrio, o qual é substituído pelos ditames da Doutrina da Criminalística Brasileira. Essa Doutrina, que nem sempre encontramos escrita, mas que é transmitida de perito para perito, reúne uma série de normas e princípios, que condicionam o Perito Oficial a agir segundo a visão da Doutrina da Criminalística e, não segundo a visão de sua consciência individual.
A Doutrina em si, isolada, é ótimo modelo para ser aplicado em Perícias de qualquer área científica, por qualquer indivíduo ou entidade, seja ela pública ou privada; porém, observa-se que ela somente será obedecida, se o perito estiver “comprometido”, “obrigado”, em forma da lei, pela Instituição da Criminalística Brasileira, que em si é a materialização do Instituto do Corpo de Delito (Corpus Delicti), previsto formalmente no Código de Processo Penal.
As Instituições de Polícia nos demais paises ocidentais trazem um ramo de Polícia Científica, também denominada de Polícia Técnica que desenvolvem os trabalhos da Criminalística. Nesses paises esse ramo se identifica com os valores abrangidos pela Instituição Polícia, porque o perito atua quase como uma “testemunha técnica”, é livre para agir, conforme sua consciência individual, em prol da Instituição de Polícia. O modelo pericial seguido nesses paises é o modelo Clássico de fazer perícia, não obstante um pouco mais ordenado do que aquele aplicado pelas empresas privadas. A Instituição de Polícia no Brasil tentou acompanhar este mesmo modelo, mantendo as mesmas características destes outros paises, porém, em decorrência da cultura jurídica aqui desenvolvida, produziram-se algumas originalidades, tanto na própria Instituição de Polícia, quanto na Instituição da Criminalística, isto é, a Criminalística, também conhecida como sendo a “Polícia Técnica” ou “Polícia Cientifica”, que deveria ser um simples ramo da Polícia Judiciária, como ocorreu em outros paises, adquiriu aqui plena força de Instituição Social, independente e soberana, posição esta assegurada no Direito Processual Penal.
No Brasil, desenvolveram-se dois tipos de Polícia, a chamada Policia Administrativa que age preventivamente com sua presença, prendendo antes, durante ou logo depois da prática de delito, com independência, sem consulta prévia ao Judiciário e, a Polícia Judiciária, conforme o próprio nome diz, é auxiliar do Judiciário, na investigação, nas buscas e apreensões, no cumprimento de mandados de prisão, coletas de provas para formação do corpo de delito, etc..
A Polícia Judiciária pratica atos judiciais, os quais envolvem a tomada de depoimentos, declarações de testemunhas, vítimas e indiciados, sem valor probatório absoluto, porém com total independência da Justiça. Mas tudo isso é refeito perante o Judiciário, com direito a ação de defesa e do contraditório; ações estas inexistentes durante a fase policial.
Neste trabalho da Polícia Judiciária é fundamental observar o seguinte: Cabe a Autoridade Policial requisitar a realização do Exame de Corpo de Delito e outros exames que julgar necessários, mas a Instituição do Corpo de Delito é exterior ao Poder de Polícia. A Autoridade Policial requisitará os exames ao Diretor da Repartição (Art. 178 CPP) e este designará quem irá proceder aos exames. Portanto, a autoridade requisitará as perícias que julgar necessárias ao Diretor do Órgão Coordenador das Perícias e não ao perito diretamente, deixando clara a inexistência de subordinação hierárquica do perito à autoridade requisitante.
A Autoridade Policial seria responsável pelos resultados dos exames de Corpo de Delito, se quem os realizasse fosse seu subordinado. Por ser a Instituição do Corpo de Delito exterior ao Poder de Polícia não cabe a Polícia Judiciária a atribuição de proceder ou fazer ao Exame de Corpo de Delito e os outros exames que se fizerem necessários para a sua formação, cabendo tão somente o direito de requisitar e alguém terá que fazer. Essa distinção foi o fenômeno que ocorreu no Brasil, o qual interferiu e influenciou sobremaneira, na Instituição da Criminalística, diferenciando-a do restante dos paises e isso foi colocado na lei Processual Penal em l941 sem que muitos tenham se dado conta disso.
Na segunda metade da década de 60 e primeira da década de 70 o comando da Polícia Judiciária buscou implantar uma reforma nos Órgãos Coordenadores das Perícias Criminais, nos Institutos de Criminalística e de Medicina Legal, importando o modelo Norte Americano. Até então os operadores da Criminalística utilizavam literatura européia, Francesa, Suíça e Espanhola, basicamente e, então, com o programa “Aliança para o Progresso” passou a fornecer livros Norte-Americanos que traziam as técnicas e o modelo da Criminalística desenvolvida nos EUA. Um dos livros mais conhecido e mais utilizado pelos peritos naquela época foi “Introdução a Criminalística” de Charles E. O’Hora & James W. Osterburg.
A cúpula da Instituição Polícia Judiciária buscou com a reforma implantar esta nova metodologia onde a perícia tinha compromisso coma Instituição Polícia, isto é, onde o laudo pericial buscava servir de prova indiciaria, jamais de defesa. Esta reforma buscou retomar, principalmente, o controle da perícia criminal, que em vários estados tinha autonomia. Foram então criados os Departamentos ou Diretorias de Polícia Cientifica, dirigidos por Delegados de Policia, reunindo sob o mesmo comando o Instituto de Criminalística, de Medicina Legal e os Laboratórios subordinando-os ao comando da Polícia Judiciária. Buscaram criar laboratórios nas várias especialidades de Química, Física, Toxicologia, Biologia, Engenharia, etc., aos moldes norte-americanos. Da mesma forma começaram a ser criadas varias categorias de peritos, nas varias especialidades como: Perito Engenheiro Legista, Perito Odonto Legista, Perito Químico Legista, alem dos já tradicionais Peritos Medico Legista e Perito Criminal.
Tentaram colocar peritos nos equipes policiais de investigação, mas não obtiveram sucesso. No resultado final, do trabalho pericial, nada foi mudado. Os peritos continuaram a atuar da mesma forma; isolaram-se do restante da Polícia Judiciária, não havia meios legais para subordiná-los a uma hierarquia e a filosofia da Instituição Polícia. A reforma fracassou e a Instituição da Criminalística Brasileira continuou a mesma dos anos 50, lutando para se modernizar e acompanhar os avanços tecnológicos.
A partir de l987 a Criminalística Brasileira busca sua total desvinculação do comando da Polícia Judiciária, buscando se firmar como Instituição Social, independente e imparcial no resultado do seu trabalho.
CONSOLIDAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
É interessante observar que embora a perícia oficial esteja inserida no capítulo pertinente às provas, o legislador colocou o perito como auxiliar do juiz, tratando deste no Título VIII, do Livro I, que trata: “Do Juiz, do Ministério Público, do Acusado e Defensor, dos Assistentes e Auxiliares da Justiça” .
Nesse mesmo Título, no Capítulo VI – “Dos Peritos e Intérpretes” traz:
“Art. 275 – O perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina judiciária.
Art. 276 – As partes não intervirão na nomeação do perito.
E entre as partes está a Polícia Judiciária.
Art. 280 – É extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre suspeição dos juízes.”
Assim, se constata no ordenamento jurídico, que o legislador não considerou o perito como um simples sujeito de prova, mas como auxiliar do Juiz.
A leitura do Título VII – “Da Prova”, no Capítulo II – “Do Exame do Corpo de Delito e das Perícias em Geral”, permite afirmar que o Perito Oficial designado para realizar o exame de Corpo de Delito não está submetido a qualquer vinculação hierárquica com a autoridade requisitante de seu trabalho técnico, não existindo qualquer ascendência dessa sobre o Perito ou subordinação desse àquela. O artigo l78 do CPP deixa clara esta posição.
“Art. 178 - No caso do artigo 159, o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo assinado pelos peritos.”
Portanto, a autoridade requisitará as perícias que necessitar ao Diretor do Órgão Coordenador das Perícias e não ao perito diretamente, deixando clara a inexistência de subordinação hierárquica do perito à autoridade requisitante. Competirá ao Diretor do Órgão Coordenador das Perícias proceder à designação de quem realizará a perícia solicitada sem qualquer interferência da autoridade solicitante.
Esta situação de total independência do Perito Oficial em relação à autoridade policial já fica, igualmente, evidente no Livro I – “Do Processo em Geral”, Título II – “Do Inquérito Policial”, em seu artigo 6º quando diz:
“Art. 6º - Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se altere o estado e conservação das coisas, até a chegada os peritos criminais;
II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;”...
A legislação determina que a autoridade policial “deverá” providenciar condições para que os peritos possam realizar os trabalhos periciais e não fala que nomeara os peritos para realizarem o exame de Corpo de Delito. Da mesma forma os objetos relacionados ao fato somente serão apreendidos formalmente depois de liberados pelos peritos, portanto, estes é que tem autoridade sobre a liberação ou não do local a ser periciado.
No Título VII – “Da Prova”, Capítulo II – “Do Exame do Corpo de Delito, e das Perícias em Geral”, no artigo 169 novamente a legislação determina que a autoridade policial, “providenciará”, para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos. Portanto, somente com a autorização destes as coisas e objetos poderão ser manuseados ou alterados.
“Art. 169 - Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único - Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na dinâmica dos fatos.”
No parágrafo único a legislação penal já entra num outro aspecto da Doutrina da Criminalística Brasileira, que será abordada oportunamente, que trata do comportamento do perito no local do delito. Mas neste momento em que discutimos a inexistência de vinculação de subordinação do Perito Oficial a Autoridade Requisitante é importante observar que caso a preservação e isolamento do local do delito não tenha sido procedida de forma correta, o perito vai se dirigir ao Juiz através do registro em seu Laudo Pericial para que essa possa tomar as providências cabíveis e não a Autoridade Requisitante do exame. É a legislação processual penal que determina que os peritos registrarão no seu laudo, se ocorrerem alterações que prejudicaram seu trabalho. Ficando evidente que não existe qualquer subordinação dos peritos à autoridade solicitante, mas sim que esta deverá dar condições aos peritos para bem desenvolverem seus trabalhos.
Já no artigo 176 do mesmo Título e Capítulo consta:
“Art. 176 – A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.”
Ficando evidente que a autoridade solicitante não poderá interferir no exame do perito, tanto que, os quesitos terão que ser formulados antecipadamente ao “ato da diligência”, isto é, antes que o perito realize o trabalho pericial.
Para completar cabe lembrar o Art. 181, com sua redação dada pela Lei nº 8.862, de 28 de março de l994:
“Art. 181 - No caso de inobservância de formalidade, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo.”
Conforme se verifica está bem claro que somente “... a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo”, ficando excluída a Autoridade Policial. Mais uma vez fica evidente que a Autoridade Policial não tem qualquer ascendência sobre o Perito que realizou o exame por ele requisitado.
Conforme se verifica, a legislação processual penal não deixa qualquer dúvida sobre a autonomia da perícia em relação a autoridade requisitante. Na verdade a Doutrina da Criminalística Brasileira determina que esta autonomia tem que ser em relação a todas as partes envolvidas no processo, Polícia Judiciária, Ministério Público (acusação e defesa) e Judiciário.
Esta autonomia leva a outra característica particular do Instituto da Criminalística Brasileira, o da imparcialidade absoluta, que determina que o perito deve manter-se eqüidistante das partes envolvidas, sem defender aos interesses de qualquer uma delas, inclusive da Polícia Judiciária.
INSTITUTO DA IMPARCIALIDADE DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA
O Instituto da Criminalística Brasileira é ligado diretamente ao processo judicial, como peça de instrução criminal do processo penal, através do Laudo Pericial, enquanto que a Instituição da Polícia Judiciária entra no mesmo somente por via indireta, pois ali é totalmente refeita a peça de instrução, de acusação, por ela elaborada.
Os juristas sempre se debateram, mas não conseguiram chegar a uma solução final para o instituto da imparcialidade absoluta, no que tange ao Exame de Corpo de Delito, cujo teorema ficou em aberto. Coube ao Brasil, através daoInstituto da Criminalística Brasileira, por razões socioculturais, chegar a uma solução.
Já foi dito que a ação judicial é como uma guerra privada, a qual não se acaba em uma só batalha. Os contendores avançam, pouco a pouco, empregando iniciativas rigorosamente previstas, num determinado contexto, cabendo ao Juízo garantir ao vencedor o produto da vitória. Assim, um processo judicial não deixa de ser um combate entre os chamados litigantes. Cada litigante nomeia para si um “contendor”, formando o chamado triângulo CAUSA–JUÌZO-LITIGANTES: “causa”, como o motivo da ação; “juízo”, como a autoridade de decisão; e “litigantes”, como as partes em litígio ou em luta, que disputam entre si algo que acreditam lhes pertencer por Direito. No Processo Penal os litigantes se dividem em “acusaçao” e “defesa”.
Em todos os povos civilizados é aceito o postulado do triângulo causa–juízo-litigantes, onde o Juízo se mantém sempre eqüidistante dos Litigantes. A sua causa é a própria Lei Jurídica. Ele não a defende, mas representa a própria Lei Jurídica.
Observou-se ao longo dos tempos que esse postulado mostrou-se sensível a algumas perturbações quando em certas circunstâncias. Coube ao Papa Inocêncio III, minimizar tais perturbações quando determinou em Bula Papal que haveria necessidade de se provar primeiro a existência de um crime, para em seguida se proceder ao julgamento. Embora isso nos pareça mais do que obvio, mas nem sempre foi assim. Era comum primeiro se acusar para depois buscar as provas de que o acusado praticara um crime.
Historicamente a figura do Corpo de Delito (Corpus Delicti) apareceu no século XVI, na chamada Contra-Reforma, na Bula Papal “Licet ab Inítio”, onde o instituto do Corpo de Delito foi valorizado e passou a ser exigido para se poder oferecer a denúncia.
Eliseo Mansini, recomendava: “perseguindo pessoas suspeitas de bruxaria, o inquisidor não deve chegar ao encarceramento, à inquisição ou à tortura antes que o “Corpus Delicti” seja juridicamente estabelecido. A presença de uma doença num homem ou aquela de um cadáver não constitui em si mesma, prova suficiente, pois a enfermidade ou a morte não estão necessariamente associadas a atos de bruxaria, e, sim, podem resultar de um grande número de causas naturais. A primeira medida a ser tomada é portanto, interrogar o médico que tratou do paciente, examinando a residência da pessoa suspeita de bruxaria. Neste caso fazer um inventário completo e consignar tanto os objetos que sirvam de acusação quanto aquelas que ( tais como, imagens religiosas, livros pios, etc.), testemunhariam em favor do réu. Se descobertos artigos duvidosos, como pós ou ungüentos, é preciso mandar examiná-los por especialistas para determinar se eles podiam ter sido usados para outros fins como a de bruxaria. Não devem os inquisidores se deixar impressionar pela descoberta de grandes quantidades de alfinetes e agulhas, artigos esses que, eram natural, as mulheres os possuírem”.
Desta recomendação pode-se concluir que já naquela época o Corpo de Delito buscava ser imparcial, isto é, recolhia todos os elementos relativos ao delito, tanto àqueles que poderiam “testemunhar” a favor do acusado, como os que poderiam indiciá-lo. Já naquela época era recomendado aos inquisidores que qualquer pó suspeito ou ungüentos, estes fossem examinados por especialistas, não devia o perito tirar conclusões precipitadas, se impressionando com grandes quantidades de agulhas ou alfinetes, pois seria natural uma costureira possuí-los.
Foi a partir deste princípio que foram elaboradas as primeiras diretrizes para o estabelecimento do chamado Corpo de Delito (Corpus Delicti).
O Exame do Corpo de Delito foi absorvido pelo triângulo causa–juízo-litigantes, dando-lhe melhor consistência, diminuindo as chamadas perturbações externas. O mundo jurídico sabia que estava diante de um paliativo, mas sempre que tentaram reequacionar o Instituto do Exame de Corpo de Delito, para colocá-lo no citado triângulo, chegaram ao mesmo denominador comum da necessidade dele manter absoluta eqüidistância das partes envolvidas. Na maioria dos povos civilizados o Exame de Corpo de Delito foi assimilado pelo triângulo causa–juízo-litigantes da seguinte forma: cada um dos litigantes pode nomear um profissional técnico (o contendor) para defender sua causa; o Juízo igualmente nomeia um profissional de sua confiança, com uma única diferença, o perito do Juízo tem a palavra final do desempate, isto é, ele realiza o trabalho pericial, se o assistente das partes discordar cabe a ele provar e convencer o Juiz de que o perito do Juízo está errado.
No Brasil desenvolveu-se uma metodologia que denominamos de INSTITUTO DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA: a sua função precípua é a de equacionar os Exames de Corpo de Delito de uma forma tal que, ao ser colocado nesse triângulo, o exame de Corpo de Delito passa a influenciar no mesmo, sem ser assimilado por ele, permitindo-se um controle constante em qualquer circunstância, aspecto ou tempo.
Essa metodologia, foi introduzida a mais de 60 anos com a aprovação do Código de Processo Penal em l941, sem que o mundo jurídico tenha se dado conta de sua importância como solução para o Instituto de Imparcialidade do Exame de Corpo de Delito, e muito pouco se tem estudado ou escrito sobre o tema.
O Instituto da Criminalística Brasileira ao longo destes anos se firmou como o Instituto da Imparcialidade no Processo Penal. Os Laudos Periciais elaborados pelos Peritos Oficiais tem sido utilizado por todos os envolvidos no triângulo causa–juízo-litigantes. O Juízo para prolatar sua sentença, condenando ou absolvendo, o Ministério Publico para oferecer a denuncia ou pedir o arquivamento, a Polícia Judiciária para acusar e a defesa para inocentar seu cliente.
ORIGEM DOS PERITOS CRIMINALÍSTICOS BRASILEIROS
Os primeiros Laboratórios de Polícia foram instalados em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e em outros estados influenciados pelos centros europeus, tais como Lousanne, Lyon, Madri, Berlin, Roma, Londres e outros que haviam se transformado em exportadores de conhecimentos Criminalísticos. Foram traduzidas e copiadas as obras estrangeiras a respeito do assunto e assim iniciou-se a Criminalística no Brasil. A adaptação desta nova ciência ao nosso triângulo “Causa–Juízo-Litigantes”, exigiu um somatório de cuidados. O Exame de Corpo de Delito já era praticado no Brasil, mas dentro do contexto universal. Havia uma grande dificuldade para realização dos Exames de Corpo de Delito. Era difícil encontrar quem se dispusesse a realizar esses exames. Os riscos eram muitos e o medo, uma constante. Dentre todos os ramos do Direito, o ramo Criminal era o que mais se ressentia da dificuldade de encontrar quem se dispusesse a assumir o encargo de proceder aos exames de Corpo de Delito.
A formação jurídica no Brasil havia se desenvolvido e o nosso triângulo “Causa–Juízo-Litigantes” tinha atuação marcante e dura, onde somente profissionais competentes poderiam ter alguma chance de não sofrer revezes danosos para si. A dificuldade de se encontrar profissionais que se dispusessem a realizar os trabalhos periciais eram tantas que o Estado criou leis impedindo funcionários públicos de se esquivarem quando “convidados” a atuarem como PERITOS nos Exames de Corpo de Delito, dentre eles, principalmente, os médicos e engenheiros.
Art. 277 - O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, salvo escusa atendível.
Parágrafo único - Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada imediatamente:
a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade;
b) não comparecer no dia e local designados para o exame;
c) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos estabelecidos.
Ainda hoje consta da legislação processual penal tal penalização visando obrigar o profissional nomeado para proceder ao Exame de Corpo de Delito a aceitar o encargo. O perito nomeado está sujeito a penalização por multa, quando infringir, injustificadamente, as disposições do artigo 277 e do seu parágrafo único, do Código de Processo Penal. É prevista, igualmente, a permissão para as autoridades policiais ou judiciárias conduzirem coercitivamente aos indicados ou os chamados para esse mister.
Art. 278 - No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução.
Este artigo soa como um grande absurdo visto ser praticamente impossível obrigar alguém a produzir algo de cunho intelectual.
Naquela época não era incomum um profissional liberal (médico, engenheiro, farmacêutico, etc.), quando nomeado para atuar como Perito contratar um advogado particular para orientá-lo juridicamente na realização do trabalho pericial, com o fim de evitar, o máximo possível, reveses jurídicos.
Com o advento da Criminalística, na época chamada de Policia Científica, dentre todos os ramos do Direito, o ramo Criminal foi o que mais se beneficiou. Praticamente todos os Exames de Corpo de Delito passaram a ser executados por essa nova instituição, sem levar em conta se a Criminalística contava ou não com profissionais em número suficiente e com especialização necessária para realizar todos os exames que lhe eram requisitados, como hoje ainda continua ocorrendo.
Os primeiros Peritos Criminalísticos Brasileiros foram os técnicos de Laboratório da Policia Cientifica, que recém-investidos em suas funções, logo perceberam o “mito da policia cientifica”. Estes, de um momento para outro passaram a não mais praticarem missões de polícia, mas sim missões de Peritos Oficiais previstos no Código de Processo Penal, onde toda sorte de exames técnico-científicos lhes eram requisitados.
A partir do momento que adentrava no triângulo “Causa–Juízo-Litigantes”, o Perito Oficial passou a se sentir sozinho; não podia receber proteção da Policia, do Juízo ou dos Litigantes. Sua única alternativa era a de manter uma eqüidistância perene e considerar a Polícia como parte integrante da acusação, no bojo dos litigantes.
Uma metodologia nova e diferenciada dos demais povos civilizados começou a ser montada. Uma metodologia não escrita ou teórica que foi sendo passada de boca em boca e de perito para perito e é esta metodologia que diferencia a Criminalística Brasileira da praticada pelos demais povos.
Os primeiros Peritos Oficiais, ao se colocarem diante do triângulo “Causa–Juízo-Litigantes”, perceberam, imediatamente, a existência de dois mundos, um era o Mundo Jurídico e o outro o Mundo da Consciência com propriedades estranhas e antagônicas ao seu “Mundo das Leis Naturais”. Cada um deles interdependia do outro e ambos se harmonizavam entre si. Cada mundo trazia em si um representante titular, sendo o Mundo Jurídico, representado pelo Juízo, embora num contexto geral estivessem ai incluídos os Litigantes, enquanto o mundo da Consciência era representado pelos Jurados e as testemunhas, os quais preenchiam todos os hiatos de parcialidade, escapes e deixados pelo mundo jurídico. Assim, o Perito Oficial colocava-se como titular e representante máximo do Mundo Natural.
É importante observar que nos outros povos, o perito passou a fazer parte do mundo da Consciência, fenômeno não equacionado até hoje, enquanto que no Brasil, assumindo o perito o Mundo Natural e não se intrometendo nos demais mundos, diferenciou-se e se chegou a essa metodologia praticada pelo Instituto da Criminalística Brasileira que a diferencia pela praticada pelos demais povos.
Os primeiros peritos brasileiros logo perceberam que ambos os mundos existentes não lhe seriam antagônicos somente se ele, o Perito Oficial, como representante máximo do Mundo Natural, conseguisse manter-se em eqüidistância constante entre aqueles e, principalmente, diante dos litigantes. Observou imediatamente que a Polícia poderia estar localizada entre os litigantes, na parte da acusação. Logo, ser ele representante da Polícia Judiciária, ali, naquele instante, seria, além de absurdo, muito perigoso.
A partir deste instante, a Policia Cientifica já era um mito para o Perito Oficial Brasileiro, uma utopia que podia gerar ”status” fora dos tribunais, porém, quando diante do triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”, o seu papel era o de defender o ministério das Leis Naturais, sob pena de responsabilidade civil, criminal e administrativa. Para receber tais punições bastar-lhe-ia defender a causa da Polícia. Em outras palavras: aproximar-se dos litigantes. Como a Polícia era a que mais lhe estava próximo, cabia-lhe a necessidade de não reconhecer a causa da polícia como sua causa. A sua causa seria sempre a da Lei Natural ou do mundo das Leis Naturais.
O principio básico da Criminalística Brasileira passou a ter por fundamento a causa da Lei Natural, com independência e soberania, mantendo eqüidistância constante e absoluta para com o Juízo e para com os Litigantes. Por eqüidistância se entende evitar qualquer interferência, seja a que propósito ou circunstancia for, com a Lei Jurídica ou a Lei da Consciência.
Por interferência na Lei Jurídica subentende-se fazer citações, interpretar, utilizar termos jurídicos, induzir, fazer ilações próprias do mundo reservado as Leis Jurídicas.
Por interferência na Lei da Consciência entende-se inferir, deduzir, fazer ilações segundo os valores pessoais, isto é, emitir opiniões próprias emanadas da sua consciência de Perito.
No triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”, esses mundos já tinham os seus titulares e representantes. Quaisquer que fossem os desvios do principio da imparcialidade, o Perito, além de estar adentrando em mundo estranho, o estaria fazendo sem competência ou atribuição assegurada em lei.
Os juristas brasileiros sabem como ninguém como deve se comportar um Perito Oficial, quais suas atribuições, competências, direitos e deveres. Por parte do Perito cabe apenas a necessidade de agir conforme os ditames pré-estabelecidos, de forma a não ser surpreendido por reveses jurídicos.
Foi assim que nossa Criminalística tomou esse rumo que a diferenciou da praticada pelos demais povos civilizados.
O presente trabalho visa apenas despertar o interesse pelo estudo da Criminalística Brasileira, da sua Doutrina. O assunto deve ser aprofundado por todos os que a realizam bem como por aqueles que se utilizam de seu trabalho.
A apresentação do trabalho pericial é feita através do Laudo Pericial Criminalístico, Criminalístico para diferenciar dos demais laudos periciais. Este documento tem características próprias e é importante abordá-lo dentro da Doutrina da Criminalística Brasileira.
LAUDO PERICIAL CRIMINALÍSTICO BRASILEIRO
O Laudo Pericial é o instrumento básico da Criminalística, é a forma como ela entra no triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”. O Laudo Pericial é construído dentro de rigorosos princípios, os quais se apóiam fundamentalmente na lógica formal. Os litigantes têm como instrumentos o Libelo e o Contraditório. O Juízo tem a Sentença. O Júri tem os Votos. O Perito Criminalístico tem como instrumento o Laudo Pericial Criminalístico. Ele procura ordenar o raciocínio, dando-lhe precisão e rigor na apresentação das Leis Naturais evitando qualquer relação com as Leis Jurídicas e com as Leis da Consciência. Uma vez voltado exclusivamente para as leis naturais não há como se preocupar com triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”. Sua eqüidistância natural, sua imparcialidade o leva a comportar-se tal qual um satélite.
O Laudo Pericial Criminalístico na sua afirmativa, silêncio ou negativa, atinge duramente os componentes do triângulo “Causa-Juízo-Litigantes”. O Perito Criminalístico através de seu instrumento básico, o Laudo Pericial Criminalístico sabe que ninguém ouve em silêncio. Uma resposta é sempre esperada; principalmente daqueles que se sentem prejudicados nos seus interesses fundamentais.
Para se garantir da resposta daqueles que se sentirem prejudicados o Laudo Pericial Criminalístico deve estar solidamente estruturado, devendo ser:
SISTEMÁTICO; isto é, não pode ser aleatório; dever ter um começo um meio e um fim; os seus tópicos e enunciados devem interagir para formar o todo.
RIGOROSO; ou seja, não pode se basear na opinião pessoal do Perito que o construiu; deve levar em conta as evidências demonstráveis; caso contrário, deve silenciar. Ainda que tal silêncio possa ser interpretado como violação do bom senso. Na verdade, este silêncio representa a fuga do Mundo da Consciência.
RESTRITIVO; deve restringir fenômenos a critérios Criminalísticos, evitar abrangências e injunções do mundo das Leis Jurídicas ou do mundo das Leis da Consciência. Observa-se que o conteúdo informativo do Laudo Pericial Criminalístico não pode variar de Perito para Perito.
CONSISTENTE; como não pode se basear em regras mutáveis; a conclusão tem que ser a resultante natural das evidências demonstráveis, mensuráveis, sensíveis e racionais contidas no seu bojo.
Dentro desta estrutura o Perito Criminalístico deve examinar cada proposição procurando possível existência de oposição, é muito mais seguro, senão o único meio valido. Costuma-se dizer que o Perito Criminalístico deve ser o seu próprio “advogado do diabo”, antevendo as possíveis oposições ao seu trabalho e fundamentando a resposta.
O Laudo Pericial Criminalístico para atender a estas características necessita estar devidamente estruturado e não pode variar de perito para perito. Ao longo do tempo foi sendo estabelecida uma estrutura, uma forma de Laudo Pericial que hoje é adotada, praticamente em todo o Brasil, com pequenas variações. O que vamos apresentar aqui não é um modelo de Laudo Pericial Criminalístico acabado, mas sim um estrutura básica a ser seguida.
Estrutura Básica do Laudo Pericial Criminalístico Brasileiro
- PREÂMBULO
- QUESITOS
- HISTÓRICO
- DISCUSSÃO
- CONCLUSÃO
- RESPOSTA AOS QUESITOS
- FECHO
- ANEXOS
Esta é a estrutura básica utilizada nos Laudos Periciais Criminalísticos. Cada área abrangida pela Doutrina da Criminalística Brasileira exige tópicos diferentes uns dos outros, os quais não reproduzem exatamente a estrutura acima; contudo, sempre dentro de uma visão de conjunto, as partes são subsistemas constantes ou variáveis. As partes citadas, tais como Discussão, Conclusão podem ser traduzidas por outros tópicos, tais como “considerações”, “outras informações”, “aparelhos utilizados”, da peça de confronto, Etc., que necessariamente estão incluídos como parte integrantes dos subsistemas “discussão, conclusão”.
POSTULADOS E PRINCÍPIOS DA CRIMINALÍSTICA BRASILEIRA
Conforme já foi colocado, com o advento do Instituto da Criminalística Brasileira, praticamente todos os Exames de Corpo de Delito passaram a ser executados por essa nova instituição, sem levar em conta se a mesma contava com profissionais em numero suficiente e com as especializações necessárias para realizar todos os exames que eram requisitados. Hoje isto ainda continua ocorrendo.
Os primeiros Peritos Criminalísticos Brasileiros foram os técnicos de Laboratório da Policia Cientifica, que recém-investidos em suas funções, já perceberam o “mito da policia cientifica”. Estes, de um momento para outro passaram a não mais praticarem missões de policia, mas sim missões de Peritos Oficiais previstos no Código de Processo Penal, onde deveriam se manter eqüidistantes dos participantes do triângulo Causa-Juízo-Litivantes,
Diante da diversidade de exames requisitados, o natural e o lógico seria houvesse nos órgãos responsáveis pela realização das perícias um profissional especialista de cada ramo do conhecimento humano realizando as perícias de sua especialidade, mas isso não ocorreu. Os Peritos Oficiais passaram a realizar os mais variados tipos de perícias requisitadas independente de sua formação acadêmica, com a tolerância dos conselhos regionais fiscalizadores das profissões reconhecidas. Assim, a Criminalística Brasileira passou a ser exercitada nas mais variadas áreas científicas, com o apoio pacífico de todas as instituições e órgãos de classes, através de um único profissional ao contrário do que era de se esperar.
A Criminalística atingiu esta metodologia diferente dos demais povos por vários fatores, dente os quais pedem ser citados como principais: ser o trabalho realizado pelos Peritos Oficiais uma função de Estado; a interdisciplinaridade da Criminalística e a inexistência de um curso especializado de formação de Peritos Oficiais; uma mesma perícia pode exigir a concorrência de diversos especialistas para se chegar a um resultado; ser impossível para o Estado ter um especialista para cada tipo de perícia a ser realizada; a existência de uma grande variedade de especialistas acabaria esbarrando num grande conflito de competência entre eles; por último, qualquer Conselho Regional ou entidade de classe que se propusesse a fiscalizar o trabalho dos Peritos Oficiais iria se deparar sempre conflito de qual era a competência de fiscalizar uma determinada perícia.
Assim uma metodologia nova e diferenciada dos demais povos civilizados foi sendo montada. Uma metodologia não escrita ou teórica que foi sendo passada de perito para perito e de boca em boca pelos peritos.
Da metodologia assim desenvolvida, Benedito Paulo da Cunha, no seu livro “Doutrina da Criminalística Brasileira” coloca que a Instituição da Criminalística Brasileira estabeleceu três postulados e quatro princípios para a Doutrina da Criminalística Brasileira.
Os postulados e leis da Criminalística Brasileira apresentados por Benedito Paulo da Cunha, Perito Criminal de São Paulo, estão sendo apresentados sem uma análise crítica e sem comentários para que os Peritos Oficiais Brasileiros e operadores do Direito Processual Penal analisem e discutam buscando assim consolidar cada vez mais a Doutrina da Criminalística Brasileira.
OS TRÊS POSTULADOS SÃO:
1º) O conteúdo de um Laudo Pericial Criminalístico é invariante com relação ao Perito Criminal que o produziu.
A Criminalística baseia-se em leis naturais, ou seja, em leis específicas com teorias e experiências consagradas, portanto, seja qual for o Perito Criminal que utilizar tais leis para analisar um fenômeno criminalístico, o resultado não poderá depender dele, indivíduo. Esse postulado afirma, em outras palavras, que cada laudo pericial criminalístico corresponde a uma tese sobre um fenômeno.
2º) As conclusões de uma perícia Criminalística são independentes dos meios utilizados para alcançá-las.
Pode ocorrer que não se disponha de meios para analisar a fundo um fenômeno criminalístico. Neste caso, qualquer conclusão é suspeita. Mas se a conclusão for alcançada, ela não pode depender dos meios utilizados, isto é, se todas as circunstâncias que envolvem o fenômeno forem reproduzidas, as conclusões periciais serão constantes, independentemente de se haver utilizado meios mais rápidos, mais precisos, mais modernos ou não. O que é fundamental é que se utilize os meios adequados para se concluir a respeito do fenômeno criminalístico examinado.
3º) A perícia Criminalística é independente do tempo.
Decorre da perenidade da verdade. O que é verdade hoje, não poderá deixar de sê-lo amanhã.
Dos três postulados acima, pode-se chegar à formulação das quatro leis (princípios) da Criminalística Brasileira:
OS QUATRO PRINCÍPIOS SÃO:
1ª lei - Se sobre um mesmo fenômeno criminalístico existirem dois ou mais laudos periciais discordantes, não podem todos, simultaneamente, ser denominados “laudos periciais criminalísticos”.
Prova: Estaria sendo violado o 1º postulado se isso acontecesse; se forem examinados com critérios criminalísticos puros, ver-se-á incursões do perito ou para o mundo da consciência ou para o mundo jurídico ou para o mundo científico onde predominam as escolas de pensamentos discordantes; a Criminalística Brasileira somente utiliza conhecimentos científicos experimentados por ela mesma, com resultados consagrados, daí, a sua limitação em relação às perícias clássicas.
2ª lei - A conclusão de um laudo pericial criminalístico é independente da legislação vigente.
Prova: O 3º postulado prova esta lei.
Nota: Vê-se que é proibido ao Perito Criminal afirmar que tal fenômeno ocorreu por infração de tal artigo de tal lei, etc. E se amanhã tal lei for revogada? Fica ferido o 3º postulado. Por outro lado, ele estaria invadindo o mundo jurídico. Relativo às legislações técnico-científicas, tais como aquelas oriundas do IPEM, ABNT, INMETRO e outras, a doutrina da Criminalística brasileira determina que não sejam citadas, uma vez que o seu aspecto jurídico é o mesmo daquelas contidas nos códigos de leis. Veja que tais instituições estão voltadas para estabelecer as normas técnicas vigentes no país, em atenção ao desenvolvimento político-tecnológico. Uma mudança política pode seguramente acarretar alteração das normas legais ali contidas. Outrossim, o ato de citar uma lei, portaria ou regulamento e, em ato contínuo, tirar conclusões, é um ato de julgamento, e isso é de pura competência do judiciário. Cabe à Criminalística apenas demonstrar os fenômenos, deixando a critério da classe jurídica o ato de julgamento (ou tipificação). Não é conveniente nem mesmo citar tais leis e os seus números de códigos nos laudos periciais criminalísticos.
3ª lei - O Laudo Pericial Criminalístico contém sempre, em seu mérito, as condições de reprodutibilidade para a análise por outros Peritos ou qualquer pessoa do público.
Prova: Se isso não ocorresse estaria sendo ferido o 1º postulado.
Qualquer dúvida ou contestação que vier a sofrer um laudo, no caso de uma comissão de Peritos Criminalísticos, eleita para julgá-lo ou uma contra-perícia, deverá chegar unanimemente à mesma conclusão, pela análise do laudo em questão; caso contrário, estará ferido o 1º postulado. É estranha a idéia de uma comissão de número ímpar chegar a um resultado unânime sobre um fato analisado por ela; contudo, em Criminalística isso é imperativo, uma vez que os julgadores analistas aplicam os próprios recursos da Criminalística, dentro do seguinte princípio: uma peça pericial concluída e construída sem evidências reprodutíveis em seu mérito, equivale a uma prova testemunhal do Perito; enquanto a peça que contenha os elementos acima citados equivale a uma verdadeira prova pericial Criminalística.
4ª lei - A verdade pericial obtida num determinado instante com a utilização de um determinado equipamento não pode falecer se for utilizado equipamento mais sofisticado para obtê-la no futuro. (prova 2º e 3º postulados).
Prova: a prova desta lei são o 2º e 3º postulados.
A não observação desta 4ª lei da Criminalística, tem resultado em muitos percalços na esfera judiciária. Muitas vezes, é até mesmo incompreensível para os leigos em Criminalística, aceitar a diferença entre a verdade Criminalística, que é usada para fins jurídicos, e a verdade científica, que é usada para fins tecnológicos. A limitação da perícia nesse campo é grande, de forma que se deve ser muito prudente em utilizar evidências extrínsecas da literatura da ciência comum, sem que tal evidência científica não tenha sido testada segundo os ditames da Doutrina da Criminalística Brasileira.
Florianópolis, 4 de setembro de 2003.
Engº. Celito Cordioli
Perito Criminalístico de Santa Catarina
http://www.igp.sc.gov.br/artigos01.html