Caro Andre,
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2013/01/16/85-das-mulheres-do-reino-unido-nao-denunciam-estupro.htm
85% das mulheres do Reino Unido não denunciam estupro, segundo pesquisa
As estatísticas aparecem no documento "Uma Visão Geral sobre os Crimes Sexuais", a primeira publicação do tipo feita pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério do Interior britânicos. Os dados também revelaram que uma em cada cinco mulheres foi vítima de um crime sexual desde seus 16 anos de idade, e que há cerca de 400 mil mulheres adultas vítimas de crimes sexuais todos os anos no Reino Unido, incluindo 69 mil vítimas de estupro ou tentativa de estupro.
A informação provocou uma onda de reflexão sobre as atitudes adotadas em relação ao estupro no Reino Unido – e forçou uma mudança abrupta e estridente de foco geográfico.
Criticar despreocupadamente as falhas das atitudes em relação às mulheres a milhares de quilômetros de distância é fácil. Focar no motivo pelo qual tão poucas mulheres têm denunciado crimes no Reino Unido vem se mostrando mais difícil.
Na última sexta-feira (11), o diretor da promotoria pública, Keir Starmer, pediu desculpas às vítimas de Savile – e solicitou às vítimas de qualquer tipo de abuso sexual que tenham sentido que suas queixas não foram levadas a sério para contatar a polícia novamente e fazer com que seus casos sejam revistos por novos painéis que serão criados em todo o país.
Grupos de ativistas também esperam que este seja um momento crucial para o início da mudança.
"Temos que mudar a cultura e as atitudes que permitem que o comportamento abusivo não seja reprimido", afirmou uma declaração da organização End Violence Against Women Coalition (Coalisão pelo Fim da Violência contra as Mulheres).
Ativistas já estimaram que apenas 6% das acusações de estupro relatadas à polícia resultaram em condenação por estupro. Mas esse total, que tem sido amplamente citado, sempre se mostrou controverso e é contestado pela polícia – e, cada vez mais, ele é visto como parte do problema, pois gera nas vítimas uma postura tão cínica em relação ao sistema que elas decidem não apresentar queixa.
As últimas estatísticas apresentadas pelo relatório "Uma Visão Geral sobre os Crimes Sexuais" na semana passada sugerem que os índices de condenação estão melhorando – se olharmos para os casos que chegam aos tribunais. Dos casos julgados em tribunal, 62,5% terminaram em condenação.
As diretrizes adotadas pela polícia para que as vítimas de estupro sejam tratadas com mais delicadeza e tato estão em vigor há algum tempo. Os membros das equipes que investigam crimes de violência sexual recebem treinamento para falar de forma adequada com as vítimas que foram estupradas.
Uma visita a um dos mais respeitados centros de referência sobre agressão sexual do Reino Unido (onde as vítimas são tratadas com bastante tato e passam de modo bem acelerado pelo interrogatório policial e pelo exame médico para que nenhuma prova seja perdida) mostra que, quando esses centros estão bem equipados e recebem recursos suficientes, eles oferecem excelentes serviços.
Mas, embora um trabalho considerável tenha sido feito para melhorar a atitude da polícia em relação aos casos de estupro, o público em geral (que compõe os júris que analisam casos de estupro nos tribunais) continua se mostrando muito crítico. Não se espera que vítimas de roubo provem que foram assaltadas, pois as pessoas tendem a acreditar nelas. Já as vítimas de estupro ainda têm que provar que algo aconteceu a elas e necessitam justificar suas ações.
E é notável a frequência com que atitudes que não ajudam em nada são adotadas por pessoas que deveriam dar o exemplo. O experiente político conservador Kenneth Clarke teve problemas no ano passado quando ocupava o cargo de secretário de justiça e deu uma entrevista na qual que usou o termo "estupro sério" – sugerindo de forma inadvertida que, para ele, havia categorias de estupro menos graves.
Em seguida, houve o caso de um editor sênior da BBC que, ao explicar por que ele optou por não colocar no ar um programa sobre os crimes d e Savile no ano passado, despreocupadamente disse que não havia provas suficientes no material – e utilizou a frase agora notória que o programa continha apenas "as mulheres" – ou seja, apenas os testemunhos das próprias vítimas.
Com atitudes como essas, não é de surpreender que 85% das vítimas, quando questionadas por que de optaram por não relatar os ataques que sofreram, afirmaram que o processo todo era muito constrangedor e, no final das contas, inútil.
(Amelia Gentleman é jornalista do The Guardian. Katrin Bennhold está em período sabático.)