O livro dos psicopatas, por Guido Palomba
- Publicado em Segunda, 09 Julho 2012 17:17
- Escrito por Marisa Folgato
A culpa é das vítimas. É o que garante o chamado "Maníaco do Trianon", acusado de ter mais de uma dezena de mortes de homossexuais nas costas na década de 80, numa carta escrita há anos para um dos mais experientes psiquiatras forenses do País, Guido Palomba. "Sou uma pessoa muito boa, um cara bacana. Por que a vítima foi me convidar para seu apartamento para tomar um drinque e fazer sexo comigo?", argumenta o assassino, no documento, relata Palomba.
São informações contundentes como essas que o psiquiatra reuniu num livro, ainda sem título definitivo nem data de lançamento, que promete atrair a atenção tanto de especialistas como de leigos curiosos em conhecer como funciona a mente de criminosos. "Reuni 13 casos selecionados entre os mais de 15 mil analisados por mim ao longo de quase 38 anos de profissão", conta Palomba, 64 anos, 38 deles em atividade.
O especialista, que ainda trabalha na área criminal, mas tem se concentrado na cível, ressalta que não vai revelar os nomes dos criminosos no livro, por questões éticas, e pediu ao Diário do Comércio que também seguisse a decisão nesta reportagem. Daí a ausência de identificações. "Mas vou contar a vida deles, seus antecedentes pessoais. Com os detalhes, o leitor vai acabar identificando qual é o caso", esclarece Palomba.
Guido Palomba, um dos principais psiquiatras forenses do País, evitou utilizar termos execessivamente técnicos em sua nova obra./Paulo Pampolin-Hype
Desfile de horror – Um dos seus examinados é um policial militar vítima de paranoia, sofrendo de delírio persecutório. "Alegando legítima defesa, ao fugir de perseguidores que não existiam (incluindo sua esposa), ele matou a mulher, grávida, resistiu à prisão e trocou muitos tiros com a polícia." Outro é uma pessoa que matou o pai, a mãe e três irmãos em São Paulo. "Numa das raras oportunidades dadas a um psiquiatra forense, 20 anos depois, o juiz pediu que eu reexaminasse o caso. Pude então confirmar o que havia descrito na ocasião. A pessoa continuava exatamente a mesma."
Nos seus relatos existe até um caso de possessão demoníaca. "Evidentemente não se tratava disso e sim, de psicose epiléptica. A mulher matou a mãe e o cachorro de estimação e descreveu seus procedimentos numa carta impressionante." Nela, conta o antes e o depois do 'delírio mágico religioso'. Diz que falava coisas que não entendia, que sofreu alterações físicas durante o surto, a ponto de a irmã não conseguir reconhecê-la. "Quando acordou desse estado, dois dias depois, estava no hospital, algemada à cama," complementa o psiquiatra.
Condutopatas – "Alguns criminosos citados no livro são inteligentes, sagazes, rápidos de raciocínio, agem premeditadamente e planejam seus atos. Outros atuam em 'curto-circuito', em crises", explica o psiquiatra. Sua vasta experiência permitiu-lhe desenvolver o termo condutopatas para definir com mais precisão determinados psicopatas. "Uso esse termo porque o nome revela a essência do objeto: o distúrbio desses indivíduos está na conduta. São indivíduos que não alucinam, não deliram, são inteligentes, não têm distúrbio de memória e, sim, de conduta." Outra característica: eles não se arrependem. "Os que matam por impulso, sim."
Texto acessível – No livro, Palomba tomou o cuidado de evitar termos excessivamente técnicos e, quando os utilizou, tratou de esclarecer seus significados. "É uma linguagem mais acessível. Trago a parte mais descritiva: se o criminoso estudava, tinha família, se havia parentes doentes mentais."
Para chegar a esse resultado, o psiquiatra revisitou os casos, não os criminosos, como faz questão de esclarecer. Baseou-se nos laudos, que têm todo o histórico criminal, enfim, o processo. A rigor, o papel do psiquiatra forense é o de instruir o processo. Ele não indica a pena. "Mas, se o laudo psiquiátrico é aceito, sempre a consequência vai ser a inimputabilidade e a pessoa vai para tratamento." Isso quer dizer que, em vez de cumprir pena como condenados normais, ficarão reclusos sob cuidados médicos.
Casos – Segundo Palomba, todos os casos contados no livro são de insanidade, à exceção de um. "Um homem cometeu o delito e negou completamente, a vida toda. Matou a mulher, mas garante que não o fez. Não foi insanidade, mas um ato bárbaro, porque ele massacrou a mulher e nega para se proteger", afirma o psiquiatra. A seleção desse caso também se deveu ao fato de que o criminoso era um juiz de direito. "Depois ele perdeu o cargo."
Guido Palomba fez questão de encadernar cuidadosamente todos os seus laudos. Nesse sentido eles fazem parte de uma biblioteca especial na qual reúne livros de medicina legal, psiquiatria em geral e psiquiatria forense. Define-se como 'mini-colecionador'. À propósito, sua experiência de mais de 15 mil laudos feitos em quase 40 anos de profissão, o fez desenvolver técnicas próprias e mesmo praticar a gíria dos criminosos. "Na época em que trabalhei no Manicômio Judiciário aprendi a gíria da mão. Não podia chegar num viciado e perguntar formalmente: quantos cigarrinhos de Cannabis sativa você usou? Era preciso utilizar uma linguagem só deles."
Também incorporou alguns hábitos que julga necessários. Por exemplo: na reconstituição dos crimes ele gosta de chegar antes do suspeito. "Quero ver a fisionomia dele quando entra na cena." Isso contribuirá para o seu trabalho. Igualmente, tem a rotina de fazer, antes de mais nada, uma leitura pormenorizada e profunda do processo. "Preciso ter o discurso jurídico para ver como se articula com o discurso médico. E aí, sim, examinar o acusado," justifica. Pode chamar a família, vizinhos, quem for necessário também. É essa riqueza dos detalhes contidos nos laudos que o psiquiatra forense vai trazer no livro. Mas diz não poder, ainda, liberar nenhum trecho.
Medo – E nunca teme ficar cara a cara com assassinos? "Uma ocasião, tinha um psiquiatra no Hospital Psiquiátrico do Juqueri, chamado mão-de-ferro (nos velhos tempos ele já era velho). Ele tinha o costume de cortar a camisa-de-força dos pacientes, colocá-los num carro conversível e sair para passear", conta Palomba. "Eu, novinho, e o mão-de-ferro, a lenda, lá. Perguntei se não tinha medo dos doentes mentais e ele respondeu 'lobo não come lobo'."
Piada à parte, o psiquiatra garante que, no dia a dia, os encontros com os criminosos sempre foram cercados de muita segurança. "Nunca tive um incidente grave."
Embora não tenha abandonado as análises criminais (ele trata mais de casos especiais nessa área agora), o psiquiatra tem-se dedicado mais aos casos cíveis. Como, por exemplo, provar a sanidade ou não de uma pessoa ao fazer seu testamento, ou na disputa pela guarda dos filhos. "A loucura sempre intrigou as mentes humanas, desde tempos imemoriais", lembra Palomba, autor do Tratado de Psiquiatria Forense - Civil e Penal (Editora Atheneu), o primeiro em língua portuguesa e um dos poucos do mundo