Biólogos auxiliam polícia a desvendar crimes
26/06/2012 11:49
Imagine
a seguinte situação: uma pessoa está desaparecida há 15 dias. A polícia
é acionada, vai até a casa onde ela mora e a encontra morta, pendurada a
uma corda pelo pescoço. À primeira vista, um caso clássico de suicídio.
Seu corpo está preservado e a polícia imediatamente chama o legista, o
médico responsável por investigar as causas de mortes. Com sua
experiência, o profissional acredita que o cadáver esteja ali há menos
de uma semana, tempo inferior ao seu sumiço. Saber exatamente quando
ocorreu a morte é importante para dizer se foi suicídio ou não.
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Janyra
Oliveira da Costa faz parte de um “clube” exclusivo: é um dos três
únicos profissionais do Brasil que trabalham com entomologia forense.
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Para
auxiliar na busca de respostas sobre quando ocorreu a morte, um perito
do laboratório forense, então, é chamado para fornecer informações
capazes de desvendar o mistério. Entre outras coisas, o profissional
estuda a incidência de insetos em corpos humanos sem vida. Ao chegar,
coleta as larvas presentes no local e no corpo para iniciar sua
pesquisa. Em poucas horas ele tem o resultado. Para a surpresa do
legista, o rapaz estava mesmo morto há 15 dias. Os insetos forneceram as
evidências para a solução do caso.
,
que esteve em Cuiabá, recentemente, para participar do IV Seminário
Nacional de DNA e Laboratório Forense. Ela faz parte de um grupo
praticamente exclusivo. Em todo país, apenas três profissionais estão
empenhados na área denominada entomologia forense. Os outros dois são
Torriceli Thé, em Salvador; e
Pablo Abdon, no Amapá.
O
episódio se tornou um dos mais significativos da carreira de Janyra,
pois foi nesse instante que seus colegas policiais começaram a dar mais
credibilidade a este tipo de trabalho, devido à precisão que o
profissional é capaz de chegar. “O corpo estava conservado porque a
pessoa estava pendurada. Por isso, a larva não ficava no corpo”, diz
Janyra, ao explicar que o cadáver se deteriora com maior velocidade
justamente pela maneira como os insetos se alimentam dos tecidos. “A
larva, com a ação da gravidade, cai. Tanto que coletei larva da perna
dele, umas no chão e no roda pé. Por isso o corpo aparentava ter menos
tempo (de morte)”, lembra.
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A
análise dos resíduos no aparelho digestivo dos insetos, por exemplo,
pode ajudar a descobrir há quanto tempo uma pessoa está morta. |
Como
há déficit de profissionais na área, as universidades tentam suprir a
lacuna e colaboram nas investigações. A polícia solicita estudos
específicos, por exemplo, à biólogos da Universidade de Brasília (UnB),
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do Amapá
(Unifap).
Segundo
Janyra, são três as áreas que abrangem as investigações. As análises
não são restritas a crimes com morte das vítimas, apesar destas serem as
mais conhecidas. Uma das áreas está ligada ao direito do consumidor.
Janyra conta que no Rio de Janeiro existem as delegacias especializadas
em atender clientes lesados. Casos de pessoas que encontram insetos em
alimentos, por exemplo, são tratados nesses locais. O perito de
Laboratório Forense é capaz de identificar o período de tempo em que o
inseto está junto ao alimento, e se o animal foi “plantado” no
mantimento ou não.
Em
Cuiabá existe a Delegacia Especializada do Consumidor (Decon). O
investigador Adalto Takiuchi conta que o consumidor, ao encontrar algum
inseto no alimento, deve ir até a delegacia para registrar o Boletim de
Ocorrência, mas o material vai para análise na Vigilância Sanitária.
Como a delegacia não possui as condições de transporte exigidas pela
Anvisa - isopor e gelo, cabe ao consumidor tomar estas providências.
Para receber o material, a Vigilância Sanitária também faz algumas
exigências: o produto deve estar dentro da data de validade, com
embalagem conservada e, quando abertos, com no mínimo metade do peso
original; os refrigerantes e bebidas alcoólicas só são aceitos lacrados;
produtos artesanais não são recebidos, pois o órgão não faz análise
microbiológica. O investigador ressalta que na Capital não é comum esse
tipo de ocorrência, pois as pessoa costumam ir direto à Anvisa.
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O inseto conhecido popularmente como tatu bolinha ajudou a definir a natureza de um crime. |
A
segunda área aborda as questões urbanas, que podem virar processos
cíveis ou criminais. A perita lembrou-se de uma ocorrência que
acompanhou. Um rapaz havia morrido devido à queda de uma árvore em cima
de seu carro. O caso parecia ser cível, afinal, se tratava de um
acidente. No entanto, uma investigação acabou mostrando que a questão
devia ser avaliada como crime. Isso porque foi encontrado na raiz da
planta o crustáceo Armadillidium vulgare, popularmente conhecido como
tatu-bolinha. A espécie se alimenta de madeira em decomposição. Segundo
ela, isso significa que o vegetal já estava podre e houve descuido dos
responsáveis pela arborização de áreas públicas, o que levou a abertura
de processo criminal.
A
entomologia forense médico legal é a terceira área. Ela trata de crimes
contra pessoa e contra a vida. Entre eles, os maus tratos. Os
profissionais são capazes de descobrir há quanto tempo alguém não recebe
cuidados higiênicos pelos insetos que se alimentam de fezes, que podem
ser achados no corpo da pessoa - muitas vezes crianças. Outro exemplo
mencionado se refere à descoberta de onde vem tabletes de maconha
apreendidos pela polícia. Segundo Janyra, na colheita da planta insetos
podem ir junto e alguns são endêmicos, ou seja, típicos de uma região.
Atualmente,
os insetos são muito estudados, uma vez que podem revelar o tempo de
morte de vítimas, ou até a causa mortis. Em um cadáver em avançado
estado de putrefação, por exemplo, não seria possível a olho nu
identificar se ele foi baleado ou não. Com análises do material colhido
no sistema digestivo das larvas que infestam o corpo, o perito vai
descobrir se há chumbo bário antimônio, material dos projéteis de armas.
Também pode afirmar se alguém foi assassinado na cidade e depois levado
para mata, pois algumas moscas que depositam os ovos na vítima são
predominantemente urbanas. Os insetos que mais colaboram na vida dos
peritos da entomologia forense são as formigas, os besouros, as abelhas,
os percevejos e as moscas.
Brasil pode mudar o rumo das investigações de crimes sexuais no mundo
Janyra
Oliveira, além de ser perita no Laboratório Forense carioca, também é
professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). Uma pesquisa, informa, desenvolvida por um de seus
alunos de doutorado, aponta para um ganho significativo nas
investigações de crimes sexuais, com morte das vítimas, não só no
Brasil, mas no mundo.
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Uma nova técnica, que pode revolucionar a investigação de crimes sexuais, está sendo desenvolvida no Brasil. |
Atualmente,
esclarece, é muito difícil conseguir obter vestígios do sêmen de
agressores sexuais passadas mais de 48 horas do assassinato. Isso porque
esse material se oxida facilmente devido ao contato com o ar, o que
causa mudanças em suas propriedades químicas. O estudo do perito
criminal e doutorando em entomogenética forense pela UFRJ, Carlos Augusto Chamoun
descobriu
que o sêmen misturado à carne humana ingerida pelas larvas de moscas
dos corpos em decomposição fica preservado por cerca de uma semana. Com
isso, a análise permitiria conhecer o DNA do criminoso. “O inseto tem
sistema digestivo diferente do nosso, dividido em três partes. Na parte
inicial, é como se fosse um papo, que ele guarda o alimento. Só vai
sofrer digestão da parte mediana pra lá. Se eu coleto uma larva e tiro o
material digestivo dela da parte inicial, onde está preservado, eu
consigo encontrar o material genético da vítima”, assim como do
agressor, conta Janyra.
A
primeira das três fases práticas da pesquisa já foi concluída. O
pesquisador usou carne moída suja com esperma para análise. Na fase
atual, Chamoun usa uma porca, que segundo Janyra, é o animal que melhor
simula o corpo humano. Ele injetou sêmen no trato vaginal da porca para
ver se também teria sucesso. Agora está fazendo o levantamento do
material genético e deve terminar dentro de um mês. Assim que concluir
essa fase vai trabalhar com humanos. A expectativa é que, em 2013, a
técnica já esteja presente nos laboratórios forenses de todo o mundo.