Faltam profissionais e qualificação na polícia
Com esses problemas, a Polícia Civil do Vale tropeça feio na investigação dos crimesEspecialistas apontam falhas na política do governo estadual que prejudicam a principal atribuição da Polícia Civil: investigar. Com excesso de atribuições administrativas, déficit de policiais e pouco investimento em estrutura, a polícia estaria perdendo desempenho. No CSI da vida real, a investigação meia boca favorece os bandidos e a impunidade.
“Os investigadores têm funções administrativas diversas que até pouco tempo atrás eram atributos de outras carreiras policiais”, afirmou João Batista Rebouças, presidente do Sipesp (Sindicato dos Investigadores de Polícia de São Paulo). “As novas funções trazem prejuízos para o servidor. A sociedade também sofre, pois com a investigação sendo colocada em segundo plano haverá reflexo negativo na solução dos crimes.” Reflexo imediato dos problemas é o baixo índice de esclarecimento de crimes no Vale, cuja média é de 10%. Nos homicídios, o índice é de 60%.
A estatística é contestada pelo consultor de segurança José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Para ele, a corporação paulista enfrenta sérios problemas na capacidade de investigação. “Não acredito que a polícia consiga esclarecer 60% dos casos de homicídio. É um número alto, padrão da polícia japonesa”, disse o consultor, que aponta falhas na preparação dos policiais.“Eles conseguem poucas evidências para basear a acusação do Ministério Público, reduzindo as chances de sucesso do processo criminal.” O problema aumenta a sensação de impunidade. As poucas evidências e provas vão desaguar no Judiciário, reduzindo assim a chance de os acusados serem condenados.
Investigação/ Juiz da 4ª Vara Criminal de São José, com mais de 2.000 inquéritos em andamento, Carlos Gutemberg é taxativo: “A polícia não investiga.” Segundo ele, a maior parte do trabalho de investigação é feito com base em testemunhas e não em provas materiais. “Nunca vi um crime ser elucidado com prova pericial. E, quanto menos provas, mais chance para o réu.” Para delegados e investigadores ouvidos pela reportagem do BOM DIA, a condição ideal de trabalho só aparece em casos graves e de grande repercussão, que obrigam uma resposta rápida do poder público.
Foi o que ocorreu no caso da menina Isabella Nardoni, resolvido com base em provas técnicas, e no assassinato das irmãs Juliana e Josely Oliveira, de 15 e 16, em Cunha. Elas foram mortas no dia 23 de março de 2011 e o acusado pelo crime, Ananias dos Santos, foi preso 20 dias depois. No CSI do Vale, adivinha quem ri por último? O crime, elementar, caro leitor.
O tempo que o policial civil concursado passa em preparação na Acadepol (Academia de Polícia) antes de trabalhar nas ruas caiu pela metade. As 14 carreiras da Polícia Civil passam por três meses de preparação obrigatória em tempo integral na instituição, que tem unidades nos municípios de São Paulo e Mogi das Cruzes. Antes, o período era de seis meses.
Segundo o diretor da Acadepol, o delegado Paulo Bicudo, que comandou a Polícia Civil no Vale entre 2005 e 2006, a formação foi uniformizada em três meses para acelerar a distribuição dos novos policiais pelas delegacias. Ele garante que o curso não perdeu qualidade e que os policiais são preparados para as atribuições específicas de cada carreira.
Os agentes também ficam um mês em estágio nas delegacias seccionais antes de assumirem os postos designados pelo comando. “Como há um problema de efetivo, tivemos que tornar a formação mais rápida, sem perder a qualidade. O policial sai preparado para o trabalho”, afirmou Bicudo.
Déficit/ De acordo com levantamento feito pela reportagem, o déficit de policiais civis e militares hoje no Vale é de 6.100 homens. Atualmente, as forças de segurança pública da região têm 4.200 policiais. Segundo Bicudo, além da formação obrigatória para todos os que passam no concurso público, a Acadepol oferece mais de 2.000 cursos por ano para os policiais na ativa. Hoje, a Academia tem capacidade para receber até 1.000 agentes. “Temos cursos nas áreas de investigação, tecnologia, preservação da vida, gestão e vários outros que melhorem a técnica dos policiais.” Bicudo admite que a formação não é perfeita, mas sustenta que cada vez mais os policiais estão sendo melhor preparados para a investigação.
‘Falta qualificação’, diz consultor de segurança
José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM e ex-secretário nacional de Segurança Pública, defende uma racionalização da estrutura da Polícia Civil no Vale. Serviços deveriam ser centralizados, delegacias otimizadas e policiais melhor preparados para o trabalho de investigação. Ele sustenta que não é o número de delegacias que garante a qualidade do serviço policial, mas a qualificação. “Há procedimentos elementares que devem ser seguidos no local do crime. Acho que falta esse treinamento.”
http://www.redebomdia.com.br/noticia/detalhe/24061/Faltam+profissionais+e+qualificacao+na+policia+