quinta-feira, 28 de junho de 2012
CNJ - em São Paulo, os condenados são punidos mais do que deveriam.
(25/06)
As varas de execução criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo não estão organizadas e prontas para dar conta do número de processos que
recebem. Dos 79 mil processos analisados durante o último Mutirão Carcerário do
Conselho Nacional de Justiça, cerca de 25 mil dizem respeito a réus presos
aguardando julgamento.
Nos cinco meses de duração do mutirão — de julho a dezembro de
2011 —, um grupo de magistrados, servidores, defensores públicos e promotores,
sob a coordenação dos juízes Luciano André Losekann e
Márcio André Keppler Fraga, ambos juízes auxiliares da
Presidência do CNJ, percorreu 160 casas prisionais e delegacias de polícia em
mais de 21 mil quilômetros de estrada pelo estado. O resultado,
ao qual à Consultor Jurídico teve acesso, mostra que, em São
Paulo, os condenados são punidos mais do que deveriam.
Segundo a equipe que trabalhou na empreitada, não houve muita
colaboração por parte das varas de execução, que não enviaram os documentos da
forma como os juízes pediram. Mesmo assim, o relatório mostra que as unidades
estão desorganizadas. “Com a chegada dos processos na secretaria, já foi
possível perceber, pelo estado dos autos, a inexistência de uma organização
cartorária nas Varas de Execução no estado, de forma que possibilite o controle
das fases e das movimentações processuais”, diz o documento.
Segundo o relatório, “a equipe de servidores convocados pelo
CNJ, no primeiro contato com a secretaria do Departamento de Execução Criminal,
viu que inexistia qualquer tipo de separação física dos processos, tampouco
identificações com tarjas nos processos sinalizando o regime de cumprimento de
pena ou a situação processual”.
Foram objeto de análise do mutirão os processos de execução
penal de presos que cumpriam pena em regime fechado. A princípio, o grupo
trabalhou com um universo de 94 mil pessoas nessa situação, mas, mais tarde, o
número se mostrou controverso, dadas as confusões nas varas.
O mutirão também cuidou de outros aspectos, como encaminhar ao
preso o atestado de pena a cumprir ou extrato de liquidação de pena, monitorar
as ações do projeto Começar de Novo, verificar a expedição de guias de
recolhimento para execução e decisões quanto à unificação ou soma de penas e
inspecionar estabelecimentos penais e delegacias de polícia que mantêm
presos.
Embora o documento reconheça que o estado de São Paulo venha
tentando melhorar a prestação jurisdicional aos detentos, conclui que “tanto o
empenho do Judiciário como o do Executivo está longe de alcançar patamares
satisfatórios para se alcançar uma prestação jurisdicional e um retorno à
sociedade de forma efetiva, satisfatória e humanitária”.
Direito de defesa
Um dos principais recados dado pelo relatório consolidado é que
o bom andamento do cumprimento da pena depende, principalmente, do grau de
envolvimento do defensor do condenado. “Pode-se afirmar, sem qualquer dúvida,
que os presos no estado de São Paulo encontram-se praticamente sem possibilidade
de defesa na esfera da execução penal, salvo aqueles presos privilegiados que
possuem defensor constituído”, diz.
Uma série de irregularidades foram detectadas, como o fato de
“os processos de execução penal apresentarem somente o cálculo de pena inicial,
lançado ao início do feito, não havendo posteriormente atualizações de acordo
com intercorrências frequentes que decorrem do normal cumprimento da pena”.
Muitos dos processos também não informavam dados como julgamentos de recursos,
novas condenações e datas de prisões e solturas.
Ainda de acordo com o relatório, “em inúmeros processos de
presos que se encontravam em regime fechado, percebeu-se que a pena imposta já
havia sido cumprida sem que o cartório tivesse qualquer controle sobre essa
situação ou, quando menos, sem ter encaminhado o processo ao juiz competente
para a extinção da pena, permanecendo o apenado indevidamente preso”.
Parte dos trabalhos do grupo foi direcionado para entrevistas
in loco, com os próprios detentos e com os diretores das unidades
prisionais. Esses últimos declararam, aponta o relatório, que “os presos que não
possuem defensor constituído dificilmente conseguem receber atendimento jurídico
eficiente, tanto pela inexistência deste atendimento, o que ocorre em alguns
estabelecimentos prisionais, como pela sua insuficiência, devido ao grande
número de presos em relação ao número de defensores”.
O estado de São Paulo possui hoje cerca de 500 defensores
públicos. Desses, aproximadamente 40 atuam, exclusivamente, na execução penal.
Vale lembrar que a população carcerária é de 180 mil presos. De olho no
problema, o grupo recomenda que um concurso público seja promovido de forma a
aumentar o contingente.
Documentação confusa
Para dar início ao mutirão, a equipe pediu que as comarcas e
magistrados separassem os processos. “Um grupo minoritário demonstrava ter
ciência do mutirão, ter compreendido a sistemática e quais processos deveriam
ser remetidos, mas informava não ter conseguido prepará-los, razão pela qual
seriam remetidos no estado em que se encontravam, sem a documentação
necessária”, narra o relatório.
“Tal situação acarretou sérias dificuldades à secretaria do
mutirão, que se viu onerada pela tarefa de instruir centenas de processos, algo
que deveria ser realizado pelas próprias varas de execução, até mesmo de forma
rotineira, independentemente da existência do projeto.”
Sistema de acompanhamento
Como noticiou a Consultor Jurídico, uma das
maiores reclamações dos condenados é um sistema eficaz de acompanhamento de
penas. Por meio da instalação de terminais eletrônicos dentro dos presídios,
porém, o preso, o advogado ou defensor público, o promotor e o juiz de execução
do caso em breve poderão acompanhar, passo a passo, o cumprimento da pena. No
último 13 de junho, o projeto de lei ganhou parecer favorável do deputado Sibá
Machado (PT-AC), relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania,
que conclui pela constitucionalidade, juridicidade e técnica
legislativa.
Por enquanto, no entanto, o relatório bate na mesma tecla: “O
sistema informatizado de execução do estado de São Paulo não permite a extração
de relatório, quantitativo ou nominal de presos em cumprimento de pena em regime
fechado, semiaberto e aberto. De outro lado, não há sinalização no sistema que
possibilite identificar a situação real do processo e do apenado”.
O resultado da omissão, além de impactar na concessão de
benefícios processuais previstos taxativamente em lei aos condenados, também
produz efeitos negativos na superlotação carcerária. Algumas unidades
prisionais, como os Centros de Detenção Provisóra de Itapecerica da Serra e
Osasco II, possuem até quatro presos por vaga.
“Se o apenado inicia o cumprimento da pena em regime fechado, o
sistema até realiza o cálculo de um sexto para a primeira progressão. No
entanto, concedido o regime semiaberto, o sistema não faz o cálculo sobre o
remanescente de pena para fins de obtenção do beneficio do regime aberto”,
explica o documento.
O Conselho Nacional do Ministério Público também é citado no
material. De acordo com os magistrados do CNJ, há um número elevado de feitos em
carga — um total de 23 mil, sendo 12 mil de réus presos — que dependem de
parecer do Parquet. “É recomendável a realização de estudos pelo
Ministério Público estadual de ajuizamento de ações civis públicas e ou
celebração de Termos de Ajustamento de Conduta em relação à ausência de vagas no
regime semiaberto, saúde, assistência material e social, entre outras
providências”.
Fonte: Consultor Jurídico