24/06/2013 – Especiais
Autópsia digital

Um novo
injetor de contraste e a compra de uma ressonância magnética de alta
potência contribuem para entender as causas de morte (FMUSP)
Por Marcos de Oliveira
Revista Pesquisa FAPESP – A mais célebre representação de uma dissecção humana está num quadro pintado pelo holandês Rembrandt em 1632. Conhecida como Aula de anatomia do Dr. Nicolaes Tulp,
a pintura mostra sete circunspectos alunos de medicina olhando o corpo
de um assaltante estendido em uma mesa com a parte interna de um dos
braços exposta. Ao longo de séculos, a medicina se valeu desse tipo de
procedimento retratado por Rembrandt para conhecer o funcionamento do
corpo humano e suas doenças, no aprendizado médico e também como um
método de verificação, quando necessário, do motivo da morte de uma
pessoa.
Agora a tendência no mundo é o uso de
equipamentos médicos já consagrados, como as tomografias e as
ressonâncias magnéticas, para “ver” a causa da morte de uma pessoa sem a
necessidade de abrir o corpo. Mas ainda falta uma base científica para
esse fim.
Um dos estudos mais ambiciosos nesse
sentido está sendo realizado em São Paulo, na Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP). Lá, sob a coordenação do professor
Paulo Saldiva, um grupo de pesquisadores está testando em um equipamento
de tomografia formas de fazer autópsia com imagem. Para isso, eles
desenvolveram com a empresa Braile Biomédica, de São José do Rio Preto,
no interior paulista, uma bomba de injeção de contraste por uma artéria
na virilha do cadáver, que se espalha em todo o corpo e garante imagens
de melhor qualidade.
Os pesquisadores esperam dar um salto nos
estudos a partir de 2014 com a entrega de um equipamento de ressonância
magnética de alto campo magnético, a primeira do hemisfério Sul, que foi
comprada com recursos da FAPESP, Secretaria da Saúde do estado e USP, no valor de US$ 7 milhões.
“Com a evolução da medicina e a adoção de
métodos bioquímicos, biologia celular e molecular e métodos de imagens, a
autópsia passou a ser algo antigo, mesmo na especialização de médicos”,
diz Saldiva, que é chefe do Departamento de Patologia da FMUSP.
“Autópsia dá muito trabalho, ela pode levar até três dias para ser
concluída e é mal remunerada”, afirma.
Saldiva esclarece que a autópsia médica
que tem um decréscimo no mundo é a de “morte morrida”, e não de “morte
matada”. É diferente da medicina legal que trata de óbitos por causas
violentas como tiros e facadas, por exemplo. Nesses casos é preciso que o
corpo passe pelo Instituto Médico Legal (IML) para que o
médico-legista, normalmente formado também emacademias de polícia, possa fazer laudos para a investigação criminal e o processo legal.
“A autópsia médica trata de pessoas
encontradas sem vida em casa ou na rua, ou que chegam a um
pronto-socorro já mortas, por exemplo, e os médicos não sabem a causa
para preencher o atestado de óbito”, explicou Saldiva.
Os estudos com autópsia digital são
ambiciosos, não só pelos novos equipamentos que serão anexados à
Faculdade de Medicina, mas também porque a USP é a mantenedora do
Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (Svoc), que está vinculado à
universidade desde 1939 por decreto estadual. Esse serviço é que recebe
todos os casos para autópsia médica do município de São Paulo.
“É o maior serviço de autópsia médica do
mundo. Não existe outro vinculado a uma universidade e o Svoc é um órgão
como o Museu Paulista ou o Instituto de Medicina Tropical, todos
ligados à USP. Então, as pessoas que morrem em São Paulo e não têm
atestado de óbito são trazidas para cá”, disse Saldiva.
Por ano são
realizadas mais de 13 mil autópsias no Svoc e muitos estudos são
realizados ali, sempre com a aprovação de familiares ou em indigentes ou
corpos não reclamados pela família, que no ano passado, por exemplo,
chegaram a 194.
“Portanto, temos todas essas autópsias à
mão e podemos avançar nossos estudos e trazer novos conhecimentos, além
de contarmos com a colaboração de todos os departamentos da Faculdade de
Medicina. Hoje existem dúvidas quanto ao papel da autópsia como
conhecimento científico. Queremos provar com as novas técnicas
incorporadas à autópsia que ela é muito útil”, disse Saldiva.
Leia a reportagem completa em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/05/14/a-redescoberta-de-uma-floresta.