Investigação: perito criminal e advogado no banco dos réus
Investigadores encontram munições antiaéreas; nos detalhes, arsenal e o dono, Marco Girão
O Juiz de Direito José Daniel Dinis Gonçalves, que acatou a abertura do processo, decretou a prisão preventiva de Marco Girão, que não foi encontrado pela polícia, nesta terça-feira, e é considerado foragido. O magistrado, no entanto, negou a prisão preventiva dos outros réus que serão processados.
O pedido havia sido feito pela Polícia Civil e referendado pelo Ministério Público, por meio de Denúncia assinada pelos seis Promotores de Justiça: Franscisco Carlos Britto, Reinaldo Ruy Ferraz Penteado, Sérgio Ricardo Martos Evangelista, Paulo Domingues Júnior e Flávio Hernandez José.
INVESTIGAÇÃO
A investigação que descobriu suposto esquema de corrupção envolvendo o ex-diretor do Núcleo de Perícias Criminalísticas de Araçatuba e colocou no banco dos réus um dos mais renomados advogados da região, começou em março deste ano e foi feita pelo Centro de Inteligência da Delegacia Seccional de Araçatuba.
O portal de notícias Araçatuba News teve acesso, com exclusividade, a documentos, depoimentos, fotos e vídeos que fazem parte do conjunto probatório que vai servir de ponto de partida para o processo criminal na Justiça.
Tudo começou com a apreensão de grande quantidade de armas, depois de uma denúncia anônima. Os policias civis encontraram na casa de Marco Antônio Girão, no condomínio de luxo Serra Dourada, um arsenal com cerca de 90 armas (metralhadoras, pistolas, revólveres, espingardas e fuzis), milhares de munições, entre elas 99 de calibre ponto 50 (antiaéreas), de uso exclusivo das forças armadas e três silenciadores, de uso proibido. O material foi avaliado em cerca de R$ 1 milhão.
No decorrer da investigação, a polícia descobriu que a apreensão era apenas a ponta do iceberg. Por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, a polícia descobriu um esquema de fraude em relógios de grandes empresas, feito com o objetivo de diminuir as contas de energia.
A polícia apurou que Marco Girão chefiava o esquema que rendia cerca de R$ 300 mil por mês. Em setembro, a Polícia Civil prendeu 11 pessoas acusadas de envolvimento da organização criminosa. O caso envolvendo a apreensão das armas ainda está em andamento na Justiça de Bilac.
E foi por causa dessa mega apreensão de armas que a polícia descobriu outro suposto esquema de corrupção, supostamente, envolvendo o perito criminal Sadraque Claudio e o advogado Jorge Napoleão Xavier.
No decorrer do inquérito policial, Marco Antônio Girão, conseguiu documentos que o autorizavam, como colecionador e armeiro, manter em casa a maioria das armas apreendidas. No entanto, ele sabia que seria indiciado por causa das 99 munições de ponto 50, encontradas no telhado da casa, e dois dos três silenciadores apreendidos. Um dos acessórios já não funcionava.
De acordo com investigação da Polícia Civil, essa preocupação levou Marco Girão e o pai dele, Jurandir Girão, a procurar pelo perito criminal Sadraque Claudio, que estava em férias. O objetivo, conforme apurou a polícia, era de sabotar as provas que pudessem incriminar Marco Girão.
GRAMPOS
As interceptações telefônicas colocaram a polícia frente a frente com o esquema de corrupção. Por meio das escutas, foi possível seguir os passos dos réus e desvendar o plano arquitetado para inocentar o colecionador de armas.
Segundo a polícia, Jurandir Girão procurou o perito Sadraque Claudio, até então, diretor do Núcleo de Perícias Criminalísticas de Araçatuba. Sem saber que estavam sendo interceptados, pai e filho deixaram claro nas conversas telefônicas que estavam acertando propina para que Sadraque pudesse manipular as provas. De acordo com a polícia, por meio dos grampos, foi possível identificar a suposta participação do advogado.
Napoleão Xavier, conforme a Polícia Civil e o Ministério Público, seria o responsável por repassar o dinheiro da propina para adulteração dos laudos periciais. A ideia dos réus, de acordo com a polícia, era fazer com que os laudos periciais das munições de calibre ponto 50 e silenciadores dessem resultado negativo. Com isso, não haveria provas para o indiciamento de Marco Girão.
A polícia apurou, por meio das escutas telefônicas, que Jurandir Girão se encontrou com o perito no cruzamento das avenidas Café Filho e Joaquim Pompeu de Toledo, no dia 25 de julho. Na ocasião, Sadraque fazia caminhada no local.
Após a conversa, Jurandir ligou para o filho Marcos e diz que havia acertado com o perito e que dali em diante, o intermediário seria o advogado Jorge Napoleão. Conforme a polícia, isso fica claro na interceptação telefônica. O relatório da Polícia Civil traz parte da transcrição da conversa entre pai e filho, gravada no final da tarde de 25 de julho. No final do telefonema, Marco ainda adverte o pai sobre a conversa pelo celular:
“Marco fala vai dar certo, vai. Jurandir fala vai, vai, ele (SADRAQUE) falou "deixa com nóis", e outra, nada acerta comigo (PAGAMENTO PELA CORRUPÇÃO PASSIVA), vamo ver o que a gente faz, ceis acertam com o Jorge Napoleão (ENTREGAR O DINHEIRO DIRETAMENTE AO ADVOGADO), se acredita nisso. Marco fala não. Jurandir fala o Jorge Napoleão ta na fita ... (RISOS E TOSSE) .... Marco diz não fala por telefone não, bicho”.
VALOR
Em outra conversa, no dia 27 de julho, a polícia descobre que o valor da propina é de R$ 50 mil. Essa informação, conforme a polícia, teria sido passada por Xavier a Jurandir em conversa pessoal no escritório do advogado. Conforme a polícia, com esse valor os laudos referentes às munições e os silenciadores dariam negativo. Outras interceptações sugerem que o dinheiro seria dividido.
Para a polícia e o MP, Sadraque e o advogado seriam os beneficiados. As escutas revelam que a propina também seria destinada a outros dois peritos, mas a polícia não acredita nessa versão. A hipótese é que esses outros profissionais tenham sido citados para justificar o alto valor pedido pela fraude nos laudos.
Para a polícia e o Ministério Público, há provas suficientes sobre o ajuste feito entre Marco e Jurandir Girão, o advogado Napoleão e o perito criminal Sadraque Claudio. A polícia apurou que o pagamento da propina foi feito de forma parcelada e que Marco Girão teria pago R$ 30 mil dos R$ 50 mil pedidos inicialmente.
As escutas telefônicas e a investigação da polícia revelam que as parcelas teriam sido entregues no escritório do advogado. Vídeos do circuito interno do escritório de advocacia, que foram apreendidos pela polícia, mostram Marcos, Jurandir e Adriana levando dinheiro para o advogado em dias alternados.
Para a polícia, são parcelas do pagamento da propina. As fotos, extraídas do circuito interno de filmagem e que fazem parte do procedimento investigatório, podem ser vistas em galeria abaixo.
ADVOGADO NEGA
Em interrogatório da Delegacia Seccional de Polícia no dia 28 de setembro, o advogado Jorge Napoleão Xavier negou qualquer participação no esquema. “Desconheço qualquer ajuste entre Marco, Jurandir e Sadraque com objetivo de fraudar a perícia e nego qualquer participação em algum esquema corrupto e se tivessem me proposto isso eu teria no ato expulsado do meu escritório e renunciado a causa”, argumentou o advogado. Ele disse à polícia que o dinheiro recebido no escritório é de honorários por ter defendido a família Girão após a apreensão do arsenal.
O perito Sadraque Cláudio, ouvido pela polícia no dia 4 de outubro também negou que tivesse pedido dinheiro em troca de fraudar laudos para beneficiar Marcos Girão. Ele confirmou, no entanto, que realizou as perícias em munições de calibre ponto 50 e nos silenciadores e que passou os resultados, ambos negativos, para outros dois peritos, que assinaram os laudos sem ter analisado os materiais.
Em depoimento à polícia, esses dois peritos disseram que não suspeitavam da possibilidade de fraude. Um deles chegou a declarar que teria sido enganado. “...Por tudo que o delegado me mostrou, aparentemente eu fui enganado e o corpo de delito foi sabotado. Agora eu vou mudar o meu procedimento de atuar no IC e tudo que for sob minha responsabilidade eu vou trancar e vou lacrar”, disse o perito que assinou um dos laudos com resultado negativo sobre a eficácia dos silenciadores.
Mesmo assim, Sadraque Claudio afirma que não manipulou nenhuma perícia e que os resultados negativos são verdadeiros. Os advogados dos réus disseram que, por enquanto, não vão se manifestar sobre a acusação.
PEDIDO PARA MENTIR
No meio da investigação, a polícia apurou que o ex-diretor pediu para um servidor que faz parte do Núcleo de Perícia mentir para beneficiá-lo. Em um primeiro depoimento, no dia 4 de outubro, o funcionário do IC, que teve o nome preservado pela reportagem, afirmou à polícia que presenciou Sadraque Claudio executando perícia em munições de calibre ponto 50 na sede do IC de Araçatuba. Mas, diante das contradições observadas pela polícia, o funcionário foi intimado e resolveu dizer a verdade, em novo depoimento 11 dias depois.
“...Num dia que ele foi ouvido nesta delegacia, em que não me recordo, SADRAQUE telefonou-me de um celular para o meu celular dizendo que se eu fosse ouvido nesta Seccional sobre os fatos, era para eu confirmar que tinha acompanhado os testes das munições no IC pois ele informou-me que tinha dito isso em seu interrogatório. Eu fiquei com dó do SADRAQUE e quando intimado vim aqui e disse que acompanhei os testes. Não foi verdade, eu não acompanhei nada e só disse isso porque ele me pediu. Estou arrependido por ter mentido e como o delegado me chamou novamente resolvi falar a verdade....”, diz o funcionário público em trecho de seu depoimento.
PROVA DE QUE FUNCIONAM
Sabendo, por meio das interceptações telefônicas e da investigação policial, de que os laudos seriam fraudados, a Polícia Civil decidiu testar os silenciadores apreendidos antes de os acessórios serem encaminhados à perícia no IC de Araçatuba.
No dia 18 de julho, investigadores do Centro de Inteligência da Delegacia Seccional levaram os silenciadores e fizeram testes no estande do Tiro de Guerra de Araçatuba. Tudo foi filmado.
As imagens, obtidas com exclusividade pelo portal de notícias Araçatuba News, podem ser vistas abaixo. Conforme a polícia, foram usadas nos testes munições e armas apreendidas na casa de Marcos Girão, exatamente como foi feito pela perícia.
O vídeo mostra que dois silenciadores diminuíram consideravelmente o barulho do estampido provocado por tiros, atestando assim a eficácia dos acessórios. Os mesmos silenciadores foram fotografados e enviados para perícia dois dias depois.
No retorno das peças, com o laudo que apontou ineficiência, a polícia percebeu que os silenciadores teriam sido adulterados. Os mesmos peritos, que apenas assinaram os laudos, assistiram ao vídeo de teste da Polícia Civil, viram as fotos e confirmaram que as peças tinham sido manipuladas.
Os dois peritos afirmaram que a perícia nos acessórios tinham sido realizadas por Sadraque Claudio. As fotos e os vídeos em questão foram encaminhados ao MP e fazem parte do processo criminal.
Para os promotores de justiça que ofereceram a denúncia, “...as provas dos autos revelam que as portas por onde entraram os corruptores, com o fim de fraudar provas e alcançar a impunidade, foram abertas pelo denunciado Jorge Napoleão. Ele garantiu o acesso dos criminosos à chefia do Núcleo de Perícias Criminalísticas de Araçatuba, onde Sadraque, movido pela ganância e traindo a confiança que a sociedade e o Estado nele depositavam, deu curso às suas manipulações fraudulentas”, escreveram os promotores sobre o caso.
No relatório do inquérito policial, os delegados Carlos Henrique Cotait e Fábio Neri Pistori comparam o caso ao escândalo que ocorreu recentemente no mundo esportista com o ciclista Norte Americano Lance Armstrong.
“...Um competidor implacável e imaginado por todos como um herói. No final se sua carreira esportiva descobriu-se numa investigação exemplar, que não se passava um esportista desonesto, que se dopou sua carreira inteira para conseguir suas vitórias. Até então é o que todos imaginavam do investigado Jorge Napoleão Xavier, um advogado conhecedor do direito, altamente renomado, envolvido de forma espúria no mundo da corrupção e que só foi descoberto e provado no final de sua carreira. A forma que ocorreu os atos corruptos, os ajustes perfeitos, a organização, já sabendo previamente como deveriam fazer e agir, sem pensar, sem resistir, sem ficar em dúvida, não há dúvida que a dupla criminosa (perito e advogado) agia dessa forma há muito tempo”.
Veja vídeo exclusivo do teste feito pela Polícia Civil com os silenciadores; acessório diminuiu o barulho dos disparos; e na galeria abaixo, fotos que, segundo a Polícia Civil e o MP, seriam prova do pagamento de propina ao advogado, acusado de ser intermediário no esquema:
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