Mapeada com ajuda de insetos
Carlos Carone
Depois de analisar cocaína do DF, peritos estudam a rota da maconha
A série histórica de apreensões de drogas nos últimos dez anos revela apenas uma ponta da "montanha" de entorpecentes despejada no Distrito Federal pelas quadrilhas de traficantes. A sofisticação e o grau de pureza da droga acompanham o ritmo do consumo, como noticiou o Jornal de Brasília na edição de ontem, em matéria sobre a sedução que a cocaína "escama de peixe" exerce sobre seus usuários. Estudos também foram feitos para mapear de onde vem a média anual de 900 quilos de maconha apreendidos no DF na última década.
Para nortear investigações e tentar desarticular os grandes barões da droga - que ficam baseados em cidades fronteiriças entre o Brasil e países como Paraguai e Colômbia -, a Polícia Civil brasiliense conta com a ajuda de pequenos seres para montar o quebra-cabeças da rota da maconha. Percevejos, besouros e formigas tornaram-se alvos de pesquisas feitas por meio da chamada entomologia forense - ciência geralmente associada a investigações de homicídios que ajuda a determinar local e tempo das mortes de acordo com a fauna encontrada no cadáver.
Os peritos começaram a analisar partes dos insetos encontrados em meio a porções de maconha apreendias no DF. O estudo, fruto de parceria entre a Universidade de Brasília (UnB) e o Instituto de DNA da Polícia Civil, identificou que quase toda a erva traficada no DF havia sido cultivada em terras do Mato Grosso e de cidades paraguaias.
Mestrado
O estudo acabou se transformado em pesquisa de mestrado elaborada pelo biólogo e perito da Polícia Civil Marcos Patrício Macedo, que analisou 10 quilos de maconha, fruto de duas apreensões no DF. "De pedaços de asas e patas até insetos inteiros, tudo é importante", explica o pesquisador brasiliense, que encontrou 78 pedaços de insetos nas amostras analisadas.
Segundo o perito criminal que já dirigiu o Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil, Celso Nenevê, trabalhos como esse servem para respaldar apurações feitas pelas divisões especiais que investigam o tráfico de drogas no estado. "Na verdade, essas pesquisas funcionam como uma espécie de mapeamento, que torna possível identificar os locais de produção das drogas. Assim fica mais fácil para a polícia direcionar determinada investigação de combate ao tráfico", explicou.
A análise que determinou que quase toda a maconha fumada no DF é proveniente do Mato Grosso e do Paraguai foi feita a olho nu e com o eventual auxílio de uma lupa. O perito brasiliense contou com a ajuda de especialistas em entomologia forense. "Cheguei a ir para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul atrás de uma especialista em percevejos", con-tou. Identificada as áreas de ocorrência de cada uma das três espécies, o perito cruzou os dados levantados para ver a região comum, ou seja, o lugar em que todas elas eram encontradas juntas.
A pesquisa também quebrou mitos sobre a maconha, planta da família das canabiáceas. Até então se acreditava que a erva proibida era livre de pragas em seu ambiente natural. "Foi uma surpresa encontrar percevejos nas plantas, pois eles são insetos associados às pragas em plantações tradicionais, como soja e sorgo ", observa o especialista, que passou três meses dentro de um laboratório coletando material.
Saiba +
O único trabalho anterior do uso da entomologia forense para a investigação do tráfico de drogas foi conduzido em 1986, na Nova Zelândia, quando fragmentos de insetos indicaram carga de maconha proveniente do sudeste asiático.
Em documentos históricos, existem vários relatos da aplicação e experimentação da entomologia forense, e o conceito remete a meados do século XIII. No entanto, apenas nos últimos 30 anos a entomologia tem sido sistematicamente explorada como uma fonte fidedigna de evidência em investigações criminais, como em casos de homicídios.
Investigação segura
Anos atrás, a investigação sobre a origem das drogas apreendidas dependia de provas testemunhais, como depoimentos, grampos ou flagrantes. Com a identificação dos insetos, surge uma ferramenta técnica e científica para identificar a procedência da substância, o que traz mais segurança à investigação.
O perito Celso Nenevê lembrou que trabalhos feitos com a ajuda da entomologia forense já nortearam investigações internacionais, principalmente envolvendo a identificação de grandes plantações de maconha escondidas em ilhas asiáticas. "Algumas espécies de insetos só podem ser encontradas em certos pontos do planeta. Quando se encontra na maconha o pedaço de um inseto de determinada região, a polícia pode ter certeza que está a um passo de encontrar o local de produção", diz.
Cada vez mais a Polícia Civil do DF aposta em estudos feitos em laboratório e por especialistas em análise criminal para mapear a ação do tráfico de drogas. No mês passado, o JBr publicou, com exclusividade, um relatório elaborado pela Secretaria de Segurança. O levantamento apontou características que revelam o poder do tráfico de drogas na capital da República no decorrer da última década.
Prisões
Em média, a cada ano, o DF registra a apreensão de 910 quilos de maconha. No primeiros semestre deste ano, foram recolhidos 470 quilos de cocaína. As duas são as drogas mais consumidas pelos usuários brasilienses. O mesmo mapeamento destacou a progressão no volume de prisões motivadas pelo tráfico em cada uma das 30 regiões administrativas do DF.
Berço da merla, o DF viveu o auge da droga, subproduto da cocaína, entre os anos 2004 e 2007, quando 620 apreensões foram feitas e dezenas de quilos do entorpecente foram retirados das ruas. Nos anos seguintes, a merla praticamente entrou em "ex -tinção". Para se ter uma ideia, no ano passado, apenas cinco quilos da droga foram apreendidos. Com curto período de validade, a merla foi engolida pelo crack, que pode ficar armazenado durante meses.
A série histórica de apreensões de drogas nos últimos dez anos revela apenas uma ponta da "montanha" de entorpecentes despejada no Distrito Federal pelas quadrilhas de traficantes. A sofisticação e o grau de pureza da droga acompanham o ritmo do consumo, como noticiou o Jornal de Brasília na edição de ontem, em matéria sobre a sedução que a cocaína "escama de peixe" exerce sobre seus usuários. Estudos também foram feitos para mapear de onde vem a média anual de 900 quilos de maconha apreendidos no DF na última década.
Para nortear investigações e tentar desarticular os grandes barões da droga - que ficam baseados em cidades fronteiriças entre o Brasil e países como Paraguai e Colômbia -, a Polícia Civil brasiliense conta com a ajuda de pequenos seres para montar o quebra-cabeças da rota da maconha. Percevejos, besouros e formigas tornaram-se alvos de pesquisas feitas por meio da chamada entomologia forense - ciência geralmente associada a investigações de homicídios que ajuda a determinar local e tempo das mortes de acordo com a fauna encontrada no cadáver.
Os peritos começaram a analisar partes dos insetos encontrados em meio a porções de maconha apreendias no DF. O estudo, fruto de parceria entre a Universidade de Brasília (UnB) e o Instituto de DNA da Polícia Civil, identificou que quase toda a erva traficada no DF havia sido cultivada em terras do Mato Grosso e de cidades paraguaias.
Mestrado
O estudo acabou se transformado em pesquisa de mestrado elaborada pelo biólogo e perito da Polícia Civil Marcos Patrício Macedo, que analisou 10 quilos de maconha, fruto de duas apreensões no DF. "De pedaços de asas e patas até insetos inteiros, tudo é importante", explica o pesquisador brasiliense, que encontrou 78 pedaços de insetos nas amostras analisadas.
Segundo o perito criminal que já dirigiu o Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Civil, Celso Nenevê, trabalhos como esse servem para respaldar apurações feitas pelas divisões especiais que investigam o tráfico de drogas no estado. "Na verdade, essas pesquisas funcionam como uma espécie de mapeamento, que torna possível identificar os locais de produção das drogas. Assim fica mais fácil para a polícia direcionar determinada investigação de combate ao tráfico", explicou.
A análise que determinou que quase toda a maconha fumada no DF é proveniente do Mato Grosso e do Paraguai foi feita a olho nu e com o eventual auxílio de uma lupa. O perito brasiliense contou com a ajuda de especialistas em entomologia forense. "Cheguei a ir para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul atrás de uma especialista em percevejos", con-tou. Identificada as áreas de ocorrência de cada uma das três espécies, o perito cruzou os dados levantados para ver a região comum, ou seja, o lugar em que todas elas eram encontradas juntas.
A pesquisa também quebrou mitos sobre a maconha, planta da família das canabiáceas. Até então se acreditava que a erva proibida era livre de pragas em seu ambiente natural. "Foi uma surpresa encontrar percevejos nas plantas, pois eles são insetos associados às pragas em plantações tradicionais, como soja e sorgo ", observa o especialista, que passou três meses dentro de um laboratório coletando material.
Saiba +
O único trabalho anterior do uso da entomologia forense para a investigação do tráfico de drogas foi conduzido em 1986, na Nova Zelândia, quando fragmentos de insetos indicaram carga de maconha proveniente do sudeste asiático.
Em documentos históricos, existem vários relatos da aplicação e experimentação da entomologia forense, e o conceito remete a meados do século XIII. No entanto, apenas nos últimos 30 anos a entomologia tem sido sistematicamente explorada como uma fonte fidedigna de evidência em investigações criminais, como em casos de homicídios.
Investigação segura
Anos atrás, a investigação sobre a origem das drogas apreendidas dependia de provas testemunhais, como depoimentos, grampos ou flagrantes. Com a identificação dos insetos, surge uma ferramenta técnica e científica para identificar a procedência da substância, o que traz mais segurança à investigação.
O perito Celso Nenevê lembrou que trabalhos feitos com a ajuda da entomologia forense já nortearam investigações internacionais, principalmente envolvendo a identificação de grandes plantações de maconha escondidas em ilhas asiáticas. "Algumas espécies de insetos só podem ser encontradas em certos pontos do planeta. Quando se encontra na maconha o pedaço de um inseto de determinada região, a polícia pode ter certeza que está a um passo de encontrar o local de produção", diz.
Cada vez mais a Polícia Civil do DF aposta em estudos feitos em laboratório e por especialistas em análise criminal para mapear a ação do tráfico de drogas. No mês passado, o JBr publicou, com exclusividade, um relatório elaborado pela Secretaria de Segurança. O levantamento apontou características que revelam o poder do tráfico de drogas na capital da República no decorrer da última década.
Prisões
Em média, a cada ano, o DF registra a apreensão de 910 quilos de maconha. No primeiros semestre deste ano, foram recolhidos 470 quilos de cocaína. As duas são as drogas mais consumidas pelos usuários brasilienses. O mesmo mapeamento destacou a progressão no volume de prisões motivadas pelo tráfico em cada uma das 30 regiões administrativas do DF.
Berço da merla, o DF viveu o auge da droga, subproduto da cocaína, entre os anos 2004 e 2007, quando 620 apreensões foram feitas e dezenas de quilos do entorpecente foram retirados das ruas. Nos anos seguintes, a merla praticamente entrou em "ex -tinção". Para se ter uma ideia, no ano passado, apenas cinco quilos da droga foram apreendidos. Com curto período de validade, a merla foi engolida pelo crack, que pode ficar armazenado durante meses.
http://www.unb.br/noticias/unbagencia/cpmod.php?id=91959