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domingo, 22 de julho de 2012

Análise de insetos ajuda a solucionar assassinatos

AFP
AFP / Insetos buscam o cadáver para reprodução: as moscas chegam 15 minutos após a morte Insetos buscam o cadáver para reprodução: as moscas chegam 15 minutos após a morte
Ciência forense

Análise de insetos ajuda a solucionar assassinatos


A partir de espécies encontradas no corpo humano, estudiosos podem descobrir a data aproximada da morte e possíveis locais onde o homicídio teria ocorrido


O encontro de um cadáver levanta inúmeras suspeitas, muitas vezes difíceis de serem solucionadas diante da falta de pistas e testemunhas. A dificuldade aumenta se o corpo for encontrado passadas 72 horas da morte, pe­ríodo no qual geralmente entra em putrefação e médicos legistas passam a ter dificuldades em dar respostas. Nesse caso, uma opção à investigação é voltar o olhar aos insetos presentes no cadáver, que podem fornecer pistas valiosas.
Atraídos pelo olfato, os insetos buscam o cadáver para alimentação, reprodução e depósito de ovos. A estimativa é que as primeiras espécies, no caso as moscas, cheguem, em média, 15 minutos depois da morte. Se houver sangramento, a busca é ainda mais rápida. Já no segundo dia também uma espécie de besouro poderá estar presente no corpo, justamente para se alimentar das moscas. Nesse substrato forma-se uma comunidade complexa e surge uma missão e tanto aos estudiosos da área, os entomólogos forenses.
Antônio More/ Gazeta do Povo
Antônio More/ Gazeta do Povo / Claudio José e seus alunos trabalham com o apoio policial para pesquisar insetos em cadáveres Ampliar imagem
Claudio José e seus alunos trabalham com o apoio policial para pesquisar insetos em cadáveres
Desafios
A realidade da investigação é bem diferente da ficção
Quem ouve os conceitos e a aplicabilidade da entomologia forense deve logo se lembrar do seriado norte-americano CSI, investigação criminal. Os estudiosos, porém, reforçam que a realidade é diferente da ficção. “O programa de tevê passa a realidade de maneira exagerada”, diz a doutoranda da UFPR Karine Pinto e Vairo. No dia a dia, o entomólogo forense tem vários desafios e precisa de um conhecimento vasto sobre a fauna e a identificação das espécies.
No Brasil, com a variedade de espécies de insetos, o desafio é ainda maior. Calcula-se existir cerca de 100 mil espécies e, se a encontrada não é conhecida, o pesquisador precisa de mais tempo para dar respostas. Também precisa criá-las em laboratório, e elas nem sempre sobrevivem.
“A realidade é diferente. A gente imagina o herói do CSI, um cara que sabe de inseto a balística, de Direito Criminal a Astronomia. Isso não funciona assim. A política internacional é a de que a polícia judiciária leve as evidências à expertise mais próxima, que está dentro da academia”, diz o professor José Roberto Pujol.
“Existe ainda resistência dos pesquisadores em trabalhar com a entomologia forense e da polícia judiciária de algumas unidades da federação para receber essa cultura dentro dos quadros da polícia.”
José Roberto Pujol, professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília e coordenador do núcleo de entomologia forense da instituição.
Munidos de amostras das espécies retiradas do cadáver e do meio em que foi encontrado, os estudiosos tentam responder a questões sobre a data aproximada da morte e possíveis locais onde o crime possa ter acontecido, já que algumas espécies são mais comuns em determinada área. Para isso, identificam os animais encontrados e analisam as características, principalmente o ciclo de vida. Se forem encontradas larvas, é possível criá-las e fazer uma estimativa de quanto tempo o cadáver está exposto no ambiente.
“Os insetos são as testemunhas da história. Como nesses crimes normalmente não há pessoas que os contem, quem vai contar são os insetos”, diz o professor doutor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Cláudio José Barros de Carvalho, que participa de um grupo de estudos que se dedica ao tema. O núcleo, composto por um colaborador, três professores e quatro alunos, tem uma parceria com o Instituto de Criminalística de Curitiba. Dessa forma, quando possível, alguns dos peritos coletam amostras e as enviam aos alunos, que recebem o material, identificam as espécies e, a partir disso, tentar fornecer respostas.
Na prática
A colaboração gerou o primeiro caso utilizando evidência entomológica para cálculo de intervalo pós-morte no Sul do Brasil, segundo a autora do estudo, a doutoranda Karine Pinto e Vairo. Por meio da identificação de duas espécies encontradas em um cadáver e da criação da larva, foi possível estimar o intervalo pós-morte em cerca de 10 dias. De acordo com Eliane Aparecida Martins, chefe do Setor de Cri­­mes Contra a Pessoa do Ins­tituto de Criminalística de Curitiba, está em fase de formalização um convênio entre o núcleo e o instituto, que não possui um laboratório de entomologia forense.
Analisando o cenário no país, o professor do De­­par­­tamento de Zoologia da Uni­­versidade de Brasília e coordenador do núcleo de entomologia forense da instituição, José Roberto Pujol, observa que a ciência precisa avançar mais. “Existe ainda resistência dos pesquisadores em trabalhar com a entomologia forense e da polícia judiciária de algumas unidades da federação para receber essa cultura dentro dos quadros da polícia”, diz. São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília são as regiões mais avançadas na área.
Pujol destaca ainda a importância dos estudos e a aplicabilidade deles em várias áreas. Uma pesquisa desenvolvida na universidade pelo pesquisador Marcos Patrício Macedo, por exemplo, identificou, a partir de insetos prensados em um carregamento de maconha, a procedência da droga, no caso, do Paraguai. “É um trabalho de formiguinha, vamos dando cursos, explicando, mostrando que a coisa funciona e publicando artigos”, diz o professor. Afinal, os insetos têm muito a mostrar.


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