Atitude das testemunhas pode influenciar juizes
- Segunda, 28 Maio 2012 15:36
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- Direito e Sociedade
Tribunais. Estudo pioneiro em psicologia
forense analisou mais de mil julgamentos e concluiu que comportamento
das testemunhas tem peso nas decisões dos magistrados
Muitos telespectadores portugueses já
conhecem os "especialistas" do comportamento físico das testemunhas
através da série norte-americana Lie To Me (ver fotolegenda), mas
provavelmente desconhecem que em Portugal também há psicólogos forenses
preparados para "radiografar" a credibilidade dos depoimentos dados por
testemunhas, arguidos ou vítimas, por exemplo. E como o comportamento
das testemunhas pode influenciar as decisões dos juizes.
Nos últimos sete anos, uma equipa da
Universidade Lusófona, liderada pelo reitor e professor de Psicologia
Forense Carlos Poiares, analisou mais de mil julgamentos de
processos-crime variados, dos roubos aos homicídios, e avaliou o
comportamento de testemunhas, arguidos e vítimas. Concluíram que
os"sinais físicos dos atores do processo judicial e o seu discurso
influenciam a decisão final dos juizes.
"Através de uma grelha de leitura de
comportamentos verbais e não verbais, estudamos desde a entoação ao tom
de voz, à assertividade, às hesitações no discurso, às pausas, se está
reclinado na cadeira, se está numa posição que possa indiciar maior
ansiedade, se alonga as pernas, se gesticula, se é convicto no que diz,
se há clareza na exposição, se fala diretamente olhando nos olhos ou se
desvia o olhar", explicou Carlos Poiares ao DN, durante o Congresso de
Psicologia Forense, que decorreu até ontem na Universidade Lusófona.
Chegar aos 3000 casos
"O estudo, que vai continuar em curso
até termos mais de 3000 casos analisados, visa também "captar se o
comportamento da testemunha indicia mentir. Não é tão fácil como na
série Lie to Me. E temos de ver as expressões físicas que indiciam
mentir ou falar a verdade num contexto mais global e não só anatómico",
adiantou Carlos Poiares.
"Já temos sido contactados por advogados para aferir da credibilidade de algumas testemunhas", acrescentou o psicólogo.
A grelha que Carlos Poiares referiu tem por base 40 comportamentos (20 verbais e 20 não verbais).
Já há trabalho de campo feito "no
Tribunal de Setúbal, no antigo Tribunal Criminal da Boa Hora, nas Varas
Criminais de Lisboa, nos antigos e atuais Juízos Correcionais e estamos a
começar nas Caldas da Rainha".
Carlos Poiares sustenta que os
comportamentos que mais contribuem para credibilizar uma testemunha
perante um juiz são a "clareza expositiva, a segurança, o refletir antes
de fala?'.
Vantagem da gravação vídeo
O que intriga os psicólogos forenses
dedicados a este estudo são dois pontos, refere. O primeiro, porque é
que o juiz credibiliza umas testemunhas e não outras. O segundo será a
credibilidade um traço da personalidade que leva o juiz a fiabilizar um
depoimento de alguém credível.
"Estamos a aplicar a grelha de
comportamentos em tribunal, gravando alguns depoimentos em vídeo e não
gravando outros. Para perceber se a câmara influencia muito, pouco ou
nada o comportamento dos atores do processo judicial", explicou,
adiantando ainda que "a vantagem da gravação é muito grande porque nos
permite depois estudar em laboratório. Trabalhamos com atores com tempos
e cenários reais, resultados tirados ao vivo. Quando o estudo é
videogravado, é preciso autorização".
Devido ao acordo celebrado entre a
Universidade Lusófona e o Centro de Estudos Judiciários, os juizes têm
facilitado que os investigadores académicos se sentem na bancada dos
advogados, lugar onde podem melhor avaliar os comportamentos dos atores
judiciais. (Ver última página)
Polícias fazem depoimentos "credíveis"
estudo A mestre em Psicologia Forense
Angela Ferreira, da Lusófona, dirigiu o seu estudo académico aos Juízos
de Pequena Instância Criminal de Lisboa. De 2008 a 2010, assistiua 153
julgamentos e estudou o comportamento de 357 pessoas, entre as quais 204
testemunhas, 115 arguidos e 38 vítimas.
Avaliou também o peso de alguns dados
pessoais dos intervenientes (reincidente ou não, empregado ou não) na
sentença. Percebeu as que foram credibilizadas pelos juizes através da
análise dos acórdãos.
"Conclui que há uma relação entre a
decisão de absolvição e o estatuto socioeconómico dos arguidos", afirmou
no Congresso de Psicologia Forense. "As penas de multa são mais
reduzidas quando os arguidos são desempregados e jovens, por exemplo, e
mais elevada quando os arguidos têm status elevado."
Nos Juízos de Pequena Instância
Criminal, "a maior parte das testemunhas eram membros das forças de
segurança e, logo, foram tidas como credíveis pelos juizes".
Nas testemunhas, a psicóloga concluiu
que os comportamentos não verbais que mais peso têm para serem
consideradas credíveis são as pausas para refletir antes de falar e o
olhar frontal para o juiz.
Nos comportamentos verbais, os de maior peso são a lógica, o pensar sobre questões que causam dúvidas e a coerência no discurso.
Uma testemunha desvaloriza-se aos olhos
de um juiz quando "gesticula muito e apresenta um riso nervoso", quando
"recorre a apelos emocionais ou tem uma postura agressiva" e, ainda,
quando "esfrega muito as mãos".
Rute Coelho | Diário de Notícias | 27-05-2012