segunda-feira, 5 de março de 2012
Governo federal foca no reforço à perícia criminal e vai investir na área.
Plano de Combate aos Homicídios, que será lançado nas próximas semanas, vai priorizar, pela primeira vez, as investigações forenses. Governo comprará equipamentos sofisticados e instalará novos laboratórios nos estados.
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Perita da Polícia Civil: Distrito Federal paga R$13,3 mil para os novos profissionais |
A frase é pronunciada com
revolta e perplexidade. "O corpo fala. A gente assiste ao CSI e vê que
um cabelo, resto de pele debaixo da unha, tudo pode ajudar a
solucionar um crime", afirma Edglemes José dos Santos. Alagoano de 51
anos, ele descobriu da pior forma possível que a perícia no Brasil está
muito longe do seriado americano de maior sucesso nos últimos tempos.
Dias depois de enterrar o filho mais velho, Erick, de 24 anos, em
janeiro, teve de autorizar a exumação do corpo para a retirada de duas
balas, que seriam confrontadas com armas de suspeitos. "Deixar meu menino com
os tiros porque não havia um aparelho de raios X? Que absurdo!",
revolta-se. As condições de penúria dos setores de perícia não só em
Alagoas, mas nos quatro cantos do país, levaram o Ministério da Justiça a priorizar a área, de forma inédita, no Plano de Combate aos Homicídios, quase pronto para ser lançado.
"Vamos manter a essência da segurança com cidadania, mas com um enfoque diferente. Queremos dotar os estados de laboratórios e toda a infraestrutura necessária para que os peritos possam trabalhar",
adiantou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sem revelar
detalhes da proposta. Documentos que ajudaram a convencer Cardozo da
necessidade de investimentos nas perícias mostram, por exemplo, que o
efetivo em todas as regiões do país é precário (veja arte).
Enquanto a Associação Brasileira de Criminalística (ABC) recomenda 20 profissionais por 100 mil habitantes, o número não chega a três em locais como Alagoas, Ceará e Maranhão. Só o Tocantins alcança o patamar sugerido, com 30 peritos por 100 mil habitantes.
"Se não for parente do prefeito, o cidadão que morre no sertão, lá no
interior de muitos estados, não terá um perito criminal para fazer os
exames", diz Iremar Paulino, presidente da ABC.
Nos últimos 10 anos, não houve
aumento de efetivo em pelo menos cinco unidades da Federação. Enquanto a
escassez de peritos no interior se agrava, foi exatamente nessa porção
do país que os assassinatos cresceram 21,4% de 2003 a 2010, enquanto
caíram 23,8% nas capitais e nas regiões metropolitanas no mesmo
período. Para conter a matança no Brasil, de 26 homicídios por 100 mil
habitantes, o novo plano de Cardozo conta com
o ineditismo de privilegiar a perícia para não entrar na lista dos
programas fracassados. "O investimento em equipamentos que dão
visibilidade tem sido historicamente priorizado pelos governos que, de uma forma geral, preferem gastar em viatura a comprar um microscópio de varredura, por exemplo", critica Gustavo de Carvalho Dalton, presidente da Associação Brasiliense de Peritos em Criminalística.
Em Alagoas, estado com
o maior índice de homicídios do país — 66,8 por 100 mil habitantes —,
não há um laboratório de química e biologia. Muitas das análises são
viabilizadas por convênios com
a Universidade Federal alagoana, onde, dias atrás, foram encontradas
amostras de DNA em estado inadequado de conservação. Presidente da
Associação dos Peritos Criminais do estado, Paulo Rogério da Silva
Ferreira ressalta a desmotivação dos profissionais. "Não adianta ter um laboratório de CSI com peritos altamente desestimulados em função dos baixos salários", diz.
A variação no Brasil é enorme. Enquanto em alguns estados o contracheque inicial mal ultrapassa os R$ 3 mil, no DF, começa em R$ 13,3 mil. Em comum, todos os setores de perícia do país têm a queixa de baixo efetivo. "A gente começa a trabalhar com os casos 30 ou 60 dias depois, devido ao acúmulo de trabalho. Quando é um flagrante, com um réu preso, passamos na frente", conta Luiz Sérgio Henriques, perito criminal em Brasília.
Impunidade
O apagão dos setores de perícia no Brasil leva inevitavelmente à impunidade.
De cada 10 inquéritos de homicídio doloso, menos de dois terminam na
denúncia de algum suspeito. A maior parte, 80%, acaba arquivada. Mas
esse é o retrato apenas dos 28.864 processos abertos até 2007 que já
foram finalizados, dentro da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança
Pública (Enasp), uma iniciativa do Ministério da Justiça e dos
conselhos nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ),
para zerar esse estoque de inquéritos. Há ainda 114.504 parados nos
escaninhos das delegacias. Conhecer essa realidade, para Taís Ferraz,
conselheira do CNMP, já é um dado positivo. "A dificuldade de
finalizá-los vem de muitos fatores, inclusive da situação estrutural da
investigação no país e da falta de integração dos órgãos envolvidos",
afirma Taís.
Fonte: correiobraziliense.com.br